Qual é o futuro do etanol, a solução brasileira para o combustível limpo, se o mundo adotar o carro elétrico?

Em parte empurradas por lei em grande número de países ricos, as montadoras vêm anunciando sua opção pelo carro elétrico. A maioria já avisou que, a partir de 2030 ou, em alguns casos, a partir de 2035, apenas veículos elétricos sairão de suas linhas de montagem. Assim foi anunciado pela Volkswagen, pela Volvo, Mercedes-BenzFiat, Ford e General Motors. Nesta semana foi a vez da japonesa Honda.

Em princípio, por uma questão de escala, a tendência deveria ser a de que não sobrasse espaço para o carro a álcool. E seu futuro seria o que foi o do lampião a gás logo depois da invenção da lâmpada elétrica. 

Há duas semanas, reportagem da agência Bloomberg baseada em estudo liderado por Soren Jensen, ex-diretor operacional da Alvean – uma das empresas líderes globais no setor de açúcar –, previu uma inundação de açúcar brasileiro no mundo quando o carro elétrico vier a ser o primeiro da frota mundial, porque as usinas brasileiras terão de fechar ou reduzir a produção nas destilarias de álcool, que hoje produzem 30 bilhões de litros por ano, e canalizar a matéria-prima (o caldo da cana) para as fábricas de açúcar.

O especialista em questões energéticas, consultor e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE) Adriano Pires, entende que a opção pelo carro elétrico a bateria não é inexorável nem será homogênea no mundo: “O carro 100% elétrico não deverá prosperar no Brasil, nas proporções que imaginam. Nem sei se vai prosperar no resto do mundo”.

Para ele, o motor elétrico para veículos não terá tanto sucesso e tanta duração como aconteceu com o motor a combustão. A principal razão é a de que nem todos os países terão condições de produzir energia elétrica a partir de fonte limpa para alimentar a frota de elétricos. Se sua população tiver de rodar com carros cuja energia elétrica será obtida pela queima de combustível fóssil poluente (carvão mineral ou derivado de petróleo), não estará cumprindo o pretendido.

E há o problema das baterias. O lítio, principal componente, produz graves danos ambientais na sua exploração, que devem se intensificar com o aumento da demanda. Seguem também sem solução os problemas que envolvem o descarte e reciclagem das baterias. 

Pires entende que o mundo caminhará para matrizes energéticas regionalizadas. No caso do Brasil, o etanol continuará a ter papel importante como combustível no transporte, por outras duas razões: Primeira, porque o atual déficit de energia elétrica tenderá a crescer substancialmente se o Brasil tiver de trocar o carro a combustão pelo carro cuja bateria será alimentada com energia elétrica produzida fora do veículo.

Segunda, porque o reabastecimento do carro exigirá enorme transformação da infraestrutura: disseminação de pontos de recarga das baterias; mudanças profundas nos negócios dos atuais postos de gasolina; substituição de grande parte dos serviços de mecânica pelo de autoelétricos; virtual desaparecimento de refinarias e distribuidoras de derivados, pelo menos na escala atual. E tudo isso exigirá enorme volume de recursos.

O carro elétrico hoje é muito caro, um produto quase só ao alcance de pessoas de poder aquisitivo alto. O mais barato custa hoje em torno de R$ 130 mil. Embora o aumento de escala e avanços tecnológicos possam baratear o modelo elétrico a bateria e seu preço deixar de ser tão proibitivo num país pobre,  Adriano Pires entende que o governo deverá neste momento adotar soluções de longo curso, que levem em conta as vantagens do Brasil.

“A gente precisa parar de adotar soluções de países ricos, que têm uma realidade energética diferente da nossa. No Brasil temos o etanol, que é limpo e gera emprego em sua cadeia produtiva circular, do cultivo da cana à produção de etanol e sua distribuição pelos postos de combustíveis. Vamos jogar isso fora para pegar soluções de países que não têm essa vantagem comparativa?”

O ponto de vista de Adriano Pires faz sentido. Problema a enfrentar é o de convencer as montadoras a produzir veículos a combustão (ciclo Otto ou Diesel) e híbridos elétricos apenas para o Brasil. E ainda haverá que equacionar o problema da circulação de automóveis e caminhões nos países vizinhos, se no outro lado da fronteira não houver condições de reabastecê-los com álcool.

Esta Coluna voltará ao assunto./COM PABLO SANTANA

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA 



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