Em visita à fábrica de São Bernardo do Campo, na semana passada, o chefe global de operações da Volkswagen, Ralf Brandstätter, anunciou o lançamento de seis modelos híbridos e elétricos no Brasil até 2025. Acompanhado pelo CEO e presidente da VW América Latina, o argentino Pablo Di Si, o executivo alemão revelou que os veículos escolhidos sairão de uma lista de 22 que a companhia pretende comercializar mundialmente. A aposta na eletrificação atesta a mudança de estratégia da empresa europeia, que em 2017 iniciou investimentos de R$ 7 bilhões no País para o desenvolvimento e lançamento de 20 produtos até o fim deste ano, sendo que apenas um pertence ao segmento de eletrificados: o híbrido Golf GTE, à venda com preço a partir de R$ 199 mil. “Não há planos no momento para produção local, pois o mercado ainda não está maduro para isso”, afirmou Brandstätter.

Entre veículos eletrificados estão os híbridos (que aliam a eletricidade a um motor de combustão), híbridos plug-in (cuja bateria utilizada pode ser recarregada diretamente na tomada) e os 100% elétricos.

APENAS IMPORTADOS: Chefe global de operações da montadora, alemão Ralf Brandstätter descartou produção loca. (Crédito:Pedro Danthas)

R$ 280 BILHÕES O novo plano da montadora alemã no País vai ao encontro do anunciado pelo Grupo Volkswagen no ano passado. No curto prazo, até 2024, alemães projetam investimento mundial de € 60 bilhões (cerca de R$ 280 bilhões) em motorizações elétricas ou híbridas. Já o plano mais distante, até o fim de 2029, é lançar 75 veículos elétricos e 60 híbridos. Brandstätter revelou que o Grupo Volkswagen intensificou os trabalhos de desenvolvimento de softwares para que os veículos da montadora possam receber todas as novas tecnologias. “Isso implica na incorporação de 10 mil engenheiros de TI (Tecnologia da Informação) ao quadro de 5 mil em atuação.”

A companhia também acelera investimento em infraestrutura com a implementação de postos de recarga elétrica pelo Brasil. Em parceria com a empresa de energia EDP irá instalar 30 estações — 29 de 150kW e uma de 350 kW — e mais 30 equipamentos de 22 kW em rodovias paulistas (Tamoios, Imigrantes, Carvalho Pinto, Mário Covas, Dom Pedro I, Washington Luís) e na federal Régis Bittencourt. A rede será interligada a outras, formando um corredor de 2,5 mil quilômetros de extensão entre Vitória, no Espírito Santo, e Florianópolis, em Santa Catarina, passando por Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. A empresa segue projeto de expansão de BMW, Volvo, Porsche e Audi, as duas últimas pertencentes ao Grupo Volkswagen. A Audi, por sua vez, anunciou recentemente investimento de R$ 10 milhões para criação de 200 bases de recarga de elétricos em cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais, nos próximos dois anos.

Para Paulo Cardamone, da Bright Consulting, a mudança de foco da Volkswagen está diretamente ligada ao Dieselgate, escândalo que envolveu veículos fabricados pela montadora entre 2009 e 2015. Alguns modelos saíram das plantas produzindo mais poluição do que o permitido por lei, mas um software instalado pela empresa manipulava o resultado da emissão de poluentes para burlar inspeções. A companhia alemã admitiu a fraude e responde a processos judiciais coletivos, principalmente nos Estados Unidos e na Alemanha, onde ofereceu € 830 milhões (aproximadamente R$ 4 bilhões) para fechar acordo com 400 mil clientes. As negociações continuam.

OLHO NO FUTURO: CEO da VW na América Latina, argentino Pablo Di Si está atento aos novos rumos do mercado mundial. (Crédito:Divulgação)

“Se o Dieselgate não tivesse acontecido o mundo não estaria assim”, diz Cardamone, em relação ao crescente investimento da indústria automobilística em carros eletrificados, considerados menos poluentes. “A Volkswagen precisa melhorar sua imagem depois do que ocorreu. E, a exemplo da GM e da Ford, tem de correr atrás da Tesla, que só produz veículos elétricos. Mas as montadoras tradicionais estão andando a passos de minhoca.”

POLUENTES O crescimento da procura por veículos eletrificados no mundo está relacionado às demandas de cada região e ao interesse dos governantes, segundo Cardamone. Ele cita como exemplo a Noruega, que não possui nenhuma montadora de automóveis. “Lá, os veículos são importados. Então, o governo baixa uma resolução que a partir de 2030 só poderão circular no país carros elétricos para reduzir a dispersão de poluentes. E os cidadãos seguem a norma”. Outros países europeus e os Estados Unidos também têm oferecido diversos incentivos para a compra dos modelos. Na China a questão clima tem sido decisiva para adoção da motorização. Há cidades que sofrem excessivamente com a poluição, como Xangai e Pequim. “O governo local tem incentivado bastante o uso de carro elétrico. Enquanto a licença de um automóvel a combustão custa de 50% a 60% do valor do veículo, o elétrico não paga.” Com 25 milhões de unidades, a China responde pelo maior número de carros híbridos e elétricos no mundo.

Estimativas mais conservadoras apontam que os carros eletrificados vão vingar por 15, 20 anos, mas que devem demorar muito para atingir 100% da produção mundial. Como boa parte da produção de carros elétricos difere dos convencionais, as atuais plantas automotivas ficariam obsoletas. “Isso significaria a destruição da indústria automotiva como é conhecida hoje. Ford, Volkswagen e General Motors têm fábricas por todo o planeta”, diz Cardamone. O desemprego no setor, que já sofre bastante com o avanço da tecnologia, seria ainda maior.

TESLA NO BRASIL NÃO FAZ SENTIDO
Dados de mercado contradizem anúncio de bolsonaro. Empresa vendeu só 14 unidades no país

EM EXPANSÃO: Empresário Elon Musk inaugurou fábrica da Tesla na China em janeiro que terá capacidade para produzir 500 mil veículos anualmente. (Crédito:Paul Hennessy)

O presidente Jair Bolsonaro anunciou via Twitter a intenção de negociar a instalação de uma fábrica da Tesla no Brasil. O tema será discutido com representantes da montadora de veículos elétricos durante viagem aos Estados Unidos, em março. “Em nossa extensa agenda a possibilidade da Tesla no Brasil”, escreveu o chefe da Nação, na sexta-feira 21, em mensagem na rede social. Apesar da expectativa do mandatário, especialista “não vê o menor sentido” na iniciativa.

Para Paulo Cardamone, da consultoria Bright Consulting, não há necessidade de planta da Tesla no Brasil. “Economicamente falando, não há viabilidade. O investimento em infraestrutura de abastecimento elétrico para a instalação de uma fábrica como a da Tesla no Brasil será 10, 15 vezes o valor a ser utilizado na fábrica. Sem contar que um carro custa duas, três vezes mais do que um comum”, afirma. Quem quer comprar um veículo da empresa – como os modelos Model 3, Model S e Model X – precisa recorrer a uma importadora e desembolsar, no mínimo, R$ 450 mil. No Brasil foram comercializadas até hoje apenas 14 unidades.

O especialista afirma que o País tem alternativas de energia limpa, além da elétrica, como motorização derivada do etanol e até mesmo do hidrogênio. E lembra que a empresa norte-americana não se encontra em momento propício de expansão para a América Latina, uma vez que registrou lucro apenas no último trimestre – os resultados financeiros foram divulgados em janeiro. Criada pelo empresário Elon Musk em 2003, a Tesla chegou a ter problemas de falta de capital e na linha de producão.

ALTO LUXO: Carros elétricos da Tesla podem ser encontrados em revendedora no Brasil com preços a partir de R$ 450 mil. (Crédito:Divulgação)

No Brasil foram vendidos cerca de 11 mil carros elétricos e/ou híbridos no ano passado, contra 4 mil unidades em 2018. Entre os híbridos, o japonês Corolla, da Toyota, respondeu por 3,7 mil vendas, enquanto que o chinês Arrizo 5, da Cherry, foi o mais procurado entre os 100% elétricos, com 130. Para Cardamone, o mercado de eletrificados no País deverá chegar a no máximo 100 mil unidades comercializadas anualmente em 2030, o que não justificaria a instalação de fábrica da Tesla no Brasil. A companhia inaugurou planta na China, em janeiro, com capacidade para produzir 500 mil veículos ao ano. Além disso, há poucos incentivos para aquisição de carros elétricos no Brasil, como redução do Imposto sobre Produtos Industrializados e do Imposto de Importação.

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