A Toyota está atrasada em seu plano de eletrificação. Os fabricantes estão apressados em apresentar alternativas ao motor a combustão e já começaram a vender carros 100% elétricos. O pequeno Toyota BEV só chega ao mercado no ano que vem, então a marca não tem problema em reconhecer o atraso no timing.
Mas antes de você cair na tentação de criticar essa jogada tardia, a gente precisa fazer um reconhecimento: a empresa pode até estar atrás nessa onda elétrica. Nós brasileiros estamos atrasados na vida.
Carro elétrico é uma realidade inescapável, mas o assunto ainda não está em discussão por aqui. As iniciativas de eletrificação são tímidas e o governo nem pensa no assunto – o tema não consta nem na “lista de tarefas pendentes” na agenda. Iremos ficar para trás, mais ainda, e de novo.
A China é o maior mercado mundial de carros elétricos. Em 2018, foram 707.800 unidades vendidas, o que representa 3,3% do mercado. No Brasil, não chegamos a 0,25% de participação no total das vendas.
Em volume, os Estados Unidos estão em segundo, com 228.600 carros elétricos comercializados no mesmo período. Proporcionalmente, a Noruega está na frente de todos. Lá, a cada dez carros vendidos, três são elétricos: ou seja, 31,2% de market share.
No Brasil, não há política de incentivo, não há isenção de impostos, nem apoio para o desenvolvimento de infra-estrutura.
O Toyota BEV é uma solução de mobilidade perfeita para uso urbano: super compacto para facilitar estacionamento, minimizando a ocupação do espaço coletivo em vias públicas, elimina os inúteis assentos traseiros (mais de 80% dos carros rodam com uma (ou duas) pessoas e tem autonomia extremamente limitada – só 100 km. Por dia, no entanto, as estatísticas do Japão sinalizam que as pessoas raramente passam dos 50 km diários.
E aqui? Aqui a gente olha para esse micro carro e comenta que será esmagado na rodovia, que não encara nem moto na freeway, que não dá conta de uma família, que não dá para viajar, que é feio…. Enfim.
É óbvio que não. Nós brasileiros somos resistentes a esse tipo de carro porque temos muitas limitações. Uma delas é a falta de infraestrutura. Porém o problema mais grave é financeiro. A gente paga caro demais no carro e é espremido por impostos. Ou seja, automóvel no Brasil beira o inviável.
Na prática, isso leva os compradores a procurar por um veículo multiuso. Um carro que atenda a todas as necessidades. Que sirva para viajar, passear, trabalhar, carregar peso e que, claro, custe pouco. Isso inviabiliza totalmente a compra de um carro único que chega a no máximo 60 km/h (é a capacidade do desse japonezinho).
Um Toyota BEV jamais custará pouco: é todo equipado, super seguro, tem câmera de estacionamento, frenagem autônoma, alerta de ponto cego, faróis de led, tudo aquilo que encarece o produto e que espanta o comprador de carro de entrada – na nossa realidade, um Renault Kwid ou um Chevrolet Onix já custam os olhos da cara.
Isso nos leva a um mau hábito: nos faz comprar carro por metro. Não aceitamos pagar caro em carro pequeno. A grana curta e os preços absurdos dos carros novos também nos levam a ter apenas um carro na garagem. Ou seja, a gente automaticamente pensa no BEV e coloca na conta dele todos os senões da nossa vida particular. E claro que não dá para descer a serra com família, sogra e amigo dos filhos em um carro de 2,5 metros de comprimento e 1,3 m de largura.
O fato é que existe um carro para cada aplicação, com usos e soluções específicas. Aqui nós não enxergamos isso muito bem ao comprar carro de passeio. No Japão, o Toyota BEV faz total sentido. Circula por vielas estreitas sem dificuldade, cabe em garagens minúsculas e é facílimo de usar (não pode ser difícil porque a concorrência dele é o transporte público eficiente e farto).
Então ele cai como uma luva para jovens que não necessariamente precisam de carro ou idosos que não percorrem grandes distâncias (no Japão, as pessoas com mais de 60 anos serão maioria em 2050). Para circular em vias prioritariamente residenciais, um carro elétrico é uma solução perfeita em uma população que prioriza o bem-estar dos vizinhos. Lá, as pessoas viajam de metrô sem falar para não incomodar os demais. Barulho em excesso é quase um tabu.
Outra vantagem: pelo tamanho e capacidade do motor elétrico, é classificado como um key didosha. De acordo com a política de impostos daquele país, paga menos taxas no momento da compra e é bem mais barato para licenciar. No Brasil não temos essas vantagens, com exceção do IPVA, que seria igualmente caro por causa do preço elevado da aquisição.
Dotado de motor traseiro e baterias de lítio, com rodas de aro 13 (pneus 155/70) e apenas dois assentos, o Toyota BEV serve para uma aplicação bastante restrita. Poderia ser um segundo veículo da casa. Ou poderia ser um produto de nicho, para locadoras ou empresas de compartilhamento de carros.
O BEV precisa ser considerado como uma solução de mobilidade específica, uma saída para ir do ponto A ao B. Não pode ser visto como um sonho de consumo sobre rodas cuja missão é atender a 100% das necessidades da família. No momento, nós brasileiros precisamos pensar nisso tudo antes de cogitar ter esse carrinho por aqui. Ainda não estamos prontos.