Conselho de Justiça e tribunais brasileiros investiram em reuniões e processos online para aproximar pais e filhos diante da Covid-19

Marcello Casal Jr./ABrO professor Erasmo Coelho, que adotou Gustavo, de 11 anos, durante a pandemia da Covid-19

Após viajar por horas de carro entre a cidade de Cachoeira de Macacu, no Rio de Janeiro, e Embu das Artes, em São Paulo, o professor Erasmo Coelho viu Gustavo, de 11 anos, pessoalmente pela primeira vez e conquistou o sonho de adotar o filho. O encontro frente a frente ocorreu no meio da pandemia, em maio de 2020. Por causa disso, todas as conversas com a criança e as responsáveis pelo abrigo no qual o menino morava foram virtuais. “Nossa conversa era todo dia, de segunda a segunda. Segunda a sexta falávamos por videochamada e nos sábados e domingos, como a assistente e a psicóloga não estavam no abrigo, a gente conversava por telefone”, lembra. A “conexão de almas”, como Erasmo classifica o processo de familiarização, foi iniciada após o professor ver uma foto do menino em um perfil de adoção fazendo sinal de positivo para a câmera e narrando o sonho de ter uma família. A aproximação foi ocorrendo de forma espontânea e poucas semanas depois de se falarem pela primeira vez, Gustavo o chamou de “pai”, título que agora o professor sustenta para a vida.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2019, 3.236 processos oficiais de adoção foram iniciados no Brasil. Em 2020, esse número foi de 3.801, o que registra um crescimento de 17% no período pré-pandemia em relação ao período da pandemia. Os trâmites para adoção de Gustavo, que foram realizados de forma 100% virtual, estavam dentro desse número. Por causa da aproximação completamente virtual, o professor chegou à cidade de Embu das Artes temeroso sobre qual seria a reação do filho ao encontrá-lo, medo que foi atenuado com ajuda das profissionais que auxiliaram na adoção. “A psicóloga falou comigo anteriormente que medo qualquer ser humano tem, só que o medo não pode ser maior do que o seu desejo de realizar algo. Fiquei com isso na cabeça. Toda vez que sentia medo, pensava nisso”, afirma em entrevista à Jovem Pan.

Após o primeiro encontro, ele pôde levar o filho para um período de 90 dias de convivência em casa. Depois disso, ambos passaram por entrevistas com psicólogas e assistentes sociais do abrigo e das comarcas que cuidavam do caso. O processo tramitou de forma digital e, após decisão judicial, os dois receberam a certidão de nascimento, evidência física do amor nutrido por pai e filho ao longo daqueles meses. Para o professor, o empenho das pessoas responsáveis pelo sistema de adoção foi o fator decisivo para a formação da sua família. “Eu acredito que a pandemia fez mostrar que é possível, quando a equipe do fórum e a equipe do abrigo está disposta e preparada, você conhecer o seu filho de forma virtual. Aconteceu comigo”, recorda. O processo de adaptação do filho no meio da pandemia é uma experiência nova que tem exigido atenção redobrada. “Por um lado, vou dizer que a pandemia nessa questão de aproximação e vinculação foi boa, porque vivemos por um bom tempo 24 horas por dia dentro de casa, tivemos um tempo positivo”, relembra. Cada nova conquista, como o desenvolvimento da leitura e da escrita do filho é uma recompensa dupla para Erasmo, que por vezes faz o papel de pai e professor.

Sistema híbrido facilita audiências

O Tribunal de Justiça de São Paulo foi uma das instituições do país que adotou um sistema híbrido para permitir que postulantes à adoção se aproximem de crianças respeitando normas de distanciamento durante a pandemia. Um certo período de adaptação foi necessário, mas hoje o órgão coordena parte das reuniões de forma online e outra parte de forma presencial. “No começo a gente não sabia muito como fazer, mas depois a gente mudou para o modelo híbrido, no sentido de que aquilo que é possível fazer online a gente adianta online. Até mesmo as primeiras aproximações com a criança, mesmo que seja um bebê, às vezes a gente faz um pouquinho online. Quanto menor a criança, mais ela vai demandar um contato presencial”, explica a psicóloga judiciária chefe do TJ-SP, Eliana Kawata. Segundo ela, a forma como as reuniões entre futuros pais e crianças é realizada também varia de acordo com o momento da pandemia, mas em todos os encontros os postulantes à adoção precisam passar por testes de Covid-19. A mudança forçada pela pandemia na forma de aproximação entre pais e filhos adotivos pode alterar de forma permanente alguns pontos do processo de adoção quando o distanciamento social não for mais obrigatório no Brasil. “Depois da pandemia, tem uma parte do contato que é melhor presencial, mas essa parte de trocar informações, de conversar, a gente percebeu que é muito mais rápido com a tecnologia. Então acho que a gente deve fazer nessa área a coisa mais híbrida”, afirma a psicóloga.

Resoluções do CNJ trataram sobre adoção na pandemia

Apesar do aumento no número de adoções iniciadas no país em 2020, o CNJ observa que menos processos foram concluídos neste período. A motivação para isso ainda não é clara e uma série de pesquisas deve ser feita para entender melhor o fenômeno, mas algumas hipóteses são consideradas pelo órgão. Ainda no começo da pandemia, uma resolução conjunta assinada pelo CNJ; Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP); Ministério da Cidadania (que coordena os serviços de acolhimento de crianças e adolescentes) e Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (que pertence a Secretaria Nacional de Direito da Criança e do Adolescente) sugeriu que procedimentos de concessão de guarda provisória para pessoas habilitadas fossem priorizados e sugeriu, também, que recém-nascidos entregues à adoção pela genitora, que antes precisariam ser levados a uma instituição de adoção, fossem acolhidos de forma segura em residências de adotantes habilitados. Outra parcela de crianças voltou às famílias de origem e passou por um processo de reintegração.

Outras recomendações do CNJ instruíram tribunais a realizarem audiências online e priorizar processos de adoção, buscando fornecer a juízes e servidores plataformas que possibilitem essa aceleração. “Claro que não é igual ter a família participando de uma audiência online, mas isso permite que os funcionários, mesmo sem ir ao fórum, continuem trabalhando”, explica a analista judiciária do CNJ, Ivânia Ghesti. Em 2021, para tentar acelerar ainda mais os processos e evitar que as crianças fiquem aglomeradas em abrigos, o CNJ também deu um prazo de 90 dias aos tribunais do Brasil para definirem quantos psicólogos e assistentes sociais são necessários para atender às demandas de forma prática, já que por trás de todo processo aberto há um estudo psicossocial para definir se a criança deve ser tirada de sua família de origem e se a família adotiva tem condições de recebê-la. A analista do CNJ lembra, porém, que o processo de adoção não depende somente da Justiça, mas também dos pais que não furam filas e estão dispostos a aceitar as crianças e adolescentes do jeito que são. “A gente tem para cada criança ou adolescente acolhido, sete pessoas querendo adotar, só que eles não querem adotar aquela criança que existe, eles querem adotar crianças de um perfil menor, totalmente saudável, sem irmãos. A gente precisa que a sociedade também entenda que a adoção é um direito da criança. O adulto tem que estar disponível para oferecer uma família para uma criança que está sem família, não é a gente achar que a Justiça tem que dar uma criança para quem não pode ter um filho”, afirma.



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