O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, conhece o assunto como poucos. Engenheiro agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalc), da USP, e ele próprio empresário rural, Rodrigues, de 77 anos, fala nesta entrevista ao Estado sobre o impacto negativo da liberação de agrotóxicos e das queimadas na imagem do Brasil lá fora. Fala, também, sobre o renascimento do setor de açúcar e álcool, depois da crise que o abalou no governo Dilma, o aumento do preço da carne e a liberação do uso de armas no campo. 

O governo Bolsonaro tem sido muito criticado no Brasil e no exterior por ter liberado cerca de 500 agrotóxicos em apenas um ano. Como o sr. vê essa questão?

É um pouco a diferença entre o fato e a versão. A verdade é que, até o governo Temer, liberar um defensivo agrícola no Brasil demorava em média oito anos. Nos países desenvolvidos, leva entre um e dois anos. Toda empresa que faz um investimento numa nova molécula está buscando mais sustentabilidade. Ninguém é louco de fazer um negócio mais agressivo ao meio ambiente num cenário em que a questão ambiental é uma preocupação da maioria da população mundial, sobretudo a juventude. Portanto, licenciar novas moléculas é um avanço na direção da sustentabilidade ambiental. Nós ficamos muito tempo amarrados no mercado por causa de uma idiotice burocrática, meio ideológica. No meu tempo no governo (2003-2006), isso aconteceu com os transgênicos, que estavam liberados nos Estados Unidos, na Argentina, e nós aqui estávamos ficando para trás. Aí, fizeram a lei de biossegurança e o problema foi equacionado.

A liberação dos agrotóxicos e principalmente as queimadas na Amazônia prejudicaram muito a imagem do Brasil lá fora, em especial na área do agronegócio. Qual a sua avaliação sobre a ação do governo ao lidar com o problema?

O governo foi um pouco desastrado na comunicação do incêndio na Amazônia. Aquilo acabou estimulando uma associação com o acordo entre a União Europeia e o Mercosul por parte do agricultor europeu, que precisava de um argumento para justificar sua posição contra ele. O incêndio levou ao desmatamento e depois veio a questão dos defensivos. Os três temas viraram uma versão não verdadeira da realidade brasileira. Nós temos uma agricultura sustentabilíssima. Mas a versão ficou complicada para nós. Agora tem de ter um plano de comunicação bem feito, usando a ciência para justificar a nossa posição. O problema é que tem muita gente que não quer ouvir. Já está com a cabeça feita. Preferem ouvir uma Greta (Thunberg, ativista sueca do meio ambiente) do que um cientista, como se representasse a verdade absoluta.

Do ponto de vista do marketing, não seria mais vantajoso para o Brasil investir na exportação de produtos orgânicos?

Tem mercado para tudo. Nós estamos crescendo em tudo. Estamos crescendo nos orgânicos também. O que é fundamental nesta questão é a sustentabilidade dos fatores de produção, as boas práticas culturais, que vão contemplar a questão ambiental, a dos defensivos agrícolas e o trabalho humano sob a égide da ciência. Outro dia fui a um congresso e uma menina disse: “O sr. é defensor da carne, mas eu não quero comer carne, quero comer hambúrguer de jaca. Como o sr. responde a isso?”.  Eu disse a ela: “Vou produzir jaca para você”. Ninguém vai fazer um produto que ninguém queira comprar. O mundo demanda carnes hoje, proteína animal. Vamos fazer. Se o mundo quer proteína vegetal, vamos fazer. Quer agroenergia, quer fibra? Vamos fazer também. Os mercados vão se ajustando de acordo com a oferta e procura, e o Brasil tem que se ajustar também. A palavra sustentabilidade é a base da competitividade e competitividade é tecnologia.  

Em sua visão, qual o impacto que o surto de coronavírus na China pode ter sobre as exportações brasileiras de produtos agrícolas?

Ainda não temos clareza do impacto desse problema. Acredito que, por enquanto, não haverá queda na demanda de alimentos na China. A minha expectativa é de que isso não afetará de forma dramática as exportações de produtos agrícolas do Brasil. Acho pouco provável também que aconteça uma restrição ao Brasil na área agrícola. Com ou sem coronavírus, a segurança alimentar é fundamental em qualquer país e a China tem uma preocupação muito séria com isso. Agora, obviamente, se a doença atingir níveis mais alarmantes, pode haver consequências ainda imprevisíveis no momento. 

Alguns anos atrás, o senhor fez críticas duras à política do governo para o setor de açúcar e álcool, que passou por uma grande crise. A crise ficou para trás?

Olha, dizer que a crise ficou para trás é um otimismo demais. Mas acho que está passando. Tivemos um problema sério no governo da presidente Dilma Rousseff, porque toda a estratégia de combate à inflação passava pelo congelamento dos preços dos combustíveis. Então, a Petrobrás praticamente quebrou, perdeu valor. De 12º empresa do mundo passou caiu para o 150º lugar. Isso perturbou o setor de agroenergia, porque o preço do álcool estava limitado a 75% do preço da gasolina. Como o preço da gasolina não subia e os custos subiam, chegou uma hora que isso inviabilizou o álcool, produziu uma quebradeira muito grande no setor, aumentou a concentração. Até hoje tem muita usina parada, fechada, quebrada, como resultado daquele processo. Depois, houve um problema adicional. Os países asiáticos, especialmente a Índia, iniciaram um processo muito grande de subsídio à produção de cana. A produção de açúcar cresceu demais na Índia, que passou a ser um grande produtor mundial, enchendo o mercado de açúcar, e os preços despencaram, porque o consumo não cresceu tanto quanto a produção. Com isso, o setor, que já vinha combalido por causa do problema criado no governo Dilma, acabou se arrebentando todo.

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Hoje ainda tem gente a perigo no setor de açúcar e álcool

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Como está o setor de açúcar e álcool hoje?

Nos últimos dois anos, o setor tentou a se adaptar a esse processo aumentando a produção de álcool em detrimento do açúcar. Mais de 60% da produção de cana virou álcool, em vez dos 40%, 45% de antes. Houve realmente uma virada enorme, o que obviamente elevou a oferta de álcool também. Os preços do açúcar estavam baixos e o aumento da produção de álcool impediu também a sua valorização. Até o ano passado o setor sofreu muito – e ainda tem gente a perigo hoje. Mas, de lá para cá, houve uma retomada de consumo de combustíveis e isso fez com que o preço do etanol aumentasse. A Petrobrás mudou a política de preços, desde o Temer, com Pedro Parente na presidência da Petrobrás, e com isso as coisas deram uma melhorada. Houve uma melhor lucratividade para as usinas que estavam em ordem.

Essa virada deu mais fôlego para as usinas e os produtores?

Essa melhora não chegou a irrigar todo o setor. Enquanto algumas usinas que estavam bem, ganharam dinheiro, as que não estavam tão bem não conseguiram pagar suas dívidas. O produtor de cana também se beneficiou muito pouco. Até porque é assim que funciona mesmo. O pagamento da cana é dependente do preço do açúcar e do álcool. Então, como o açúcar ainda é dominante na formação do preço, os fornecedores autônomos não foram muito bem. Na virada do ano, houve uma notícia interessante, um problema de seca na Índia. A produção lá está caindo e este ano já será menor. Então, provavelmente teremos um reequilíbrio entre oferta e demanda, com uma retomada de preços também no açúcar. Com isso, o setor começa a respirar com um pouco mais de tranquilidade.

Qual o saldo desse processo?

A consequência negativa quando acontece um problema de falta de renda no setor é que ele não investe. Nem em tecnologia, que é fundamental para o aumento da produtividade. Então, o que aconteceu foi uma parada da evolução tecnológica nos canaviais. A cana é praticamente o único produto agrícola que não teve crescimento de produtividade nos últimos dez anos, porque não houve aumento de renda. Com essa retomada, deverá haver mais investimento em tecnologia, com reflexos positivos na produtividade, na sustentabilidade, nos mecanismos de produção.

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A Odebrecht comprou uma empresa de açúcar e álcool, que não estava bem das pernas, contando com resultados que não vieram

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Por volta de 2005, 2006, houve muito investimento externo no setor. Houve grandes investidores, como o George Soros, que investiram bilhões de dólares, nas usinas, na área de etanol. Mas, com o tempo, eles foram saindo do negócio. Agora eles estão voltando? Como está o investimento externo no campo?

Alguns grupos foram embora. Literalmente quebraram. Outros se consolidaram, com uma gestão mais equilibrada. Teve muita gente, inclusive do Brasil mesmo, que passou pelo mesmo processo. A própria Odebrecht comprou uma empresa que não estava bem das pernas, com uma gestão caríssima, contando com resultados que não vieram. Imaginaram um setor milionário, mas as margens são muito estreitas. O que faz a renda é a escala. Então, houve uma frustração muito grande. Mas alguns grupos aprenderam a verdade do segmento, fizeram investimentos adequados e hoje ainda estão sobrevivendo. Acho que ainda não estamos no ponto de despertar o interesse externo, mas há uma perspectiva melhor dadas as condições de mercado global. O Brasil é um dos países mais cobiçados do mundo em termos de investimentos. Então acredito também numa melhorada em termos de investimentos externos também neste setor.

Em certo momento, havia a ideia de exportar etanol, competir no mercado internacional de combustíveis. Havia também uma discussão em relação à competitividade do etanol brasileiro em comparação com o álcool de milho americano. Isso ainda existe, é possível?

O grande problema do etanol foi a competição com o petróleo.  A própria indústria automobilística é muito mais próxima do petróleo do que do etanol, que é uma espécie de jaboticaba global. Tentaram empurrar o etanol de cana como fator de redução de emissões, fator ambientalmente melhor, não teve o resultado necessário, por uma razão: só tinha um país exportador: o Brasil. Ninguém ia ficar dependente de um único país, razão pela qual os Estados Unidos explodiram. Produzem álcool de milho, muito mais do que nós, quase o dobro, tão exportando um pouco, para misturar com gasolina, para o Japão. Acontece que os países consumidores, muito dominados pelo petróleo por razões históricas, não se dispuseram a depender de um único país exportador. Além disso, a mistura do álcool para gasolina depende de mudanças de legislação interna, e os países não fizeram grandes avanços nisso. Ficaram meio conservadores e não houve uma “commoditização” do álcool.

Quer dizer que a ideia de “commoditizar” o etanol foi para o brejo?

Eu nunca fui um adepto de vender álcool. Era adepto de vender usinas, tecnologia e legislação de álcool, para que mais países produzissem. Aí, sim, poderia haver uma “commoditização” do produto. Eu queria vender o know-how da produção de álcool, no mundo inteiro, na África, na Ásia e na América Latina também, para poder criar um mercado mundial de álcool, no qual seríamos um importante ator, porque temos condições competitivas muito boas. Este era o meu sonho – e ainda não desisti disso. Agora mesmo a nossa ministra da Agricultura Tereza Cristina foi para a Índia, junto com o presidente Bolsonaro, e um dos temas que ela está tratou lá foi justamente a ideia de usar uma parte da cana indiana para fazer álcool e reduzir os estoques mundiais de açúcar. Tomara que dê certo.

O problema é que a indústria automobilística está evoluindo em outra direção, com o carro elétrico e o carro autônomo. Isso também atrapalha, não?

Hoje, eu diria que a visão mais moderna do automóvel é o híbrido etanol-eletricidade. É o menos poluente. Mas isso é uma visão da academia brasileira, eventualmente por interesses nacionalistas. Mas estou convencido de que realmente o carro elétrico é poluente. O prefeito tem um carro elétrico e na cidade ele não polui, mas a eletricidade foi gerada de uma forma poluente em algum outro lugar. Ainda é preciso avaliar bem ainda a questão do carro elétrico. Um híbrido elétrico e de álcool é a grande solução, porque não haverá poluição nenhuma e vai ter uma indústria nacional desenvolvida. Aí isso, sim, pode ser exportado, um carro desses pode ser uma grande coisa.

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O preço da carne vai cair em alguns meses, mas não voltará para um patamar tão baixo quanto o de antes da alta

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Saindo um pouco do setor de açúcar e álcool, o Brasil deve colher uma safra de 248 milhões de toneladas neste ano, segundo as estimativas, o que seria 3% a mais que em 2019. Como o sr. analisa isso?

Já há uma quebra. Houve seca no Rio Grande do Sul, com uma perda de milho, e também um pouco de soja, lá e também no Paraná. No Maranhão, em Tocantins e na Bahia, também houve uma secazinha. Então, já existe uma redução dessa estimativa. Mas pode ser que a gente tenha uma safra de inverno tão grande que compense a redução. É um pouco cedo para falar sobre isso.

Nos últimos meses, o preço da carne deu um salto. A saída é o brasileiro comer frango, como sugeriu há alguns anos o ex-secretário de Política Econômica Márcio Holland, no governo Dilma?

O preço da carne é uma consequência da peste sul-africana, que fez com que a China matasse metade de seu rebanho suíno. Obviamente, isso levou a uma demanda por carne alternativa, de frango e bovina. O preço da carne explodiu e por consequência o do milho também, porque ele é que faz a carne. Milho e soja viram proteína animal. Por conta disso, houve um crescimento tanto dos preços quando dos insumos para carnes, de grãos. É um processo de ajuste. Na medida em que a produção de frango, suíno e gado teve de atender a essa demanda global determinada pela China. Vai chegar um momento, em breve, em poucos meses, em que a oferta vai se igualar à demanda e os preços voltarão à normalidade. Agora, a verdade é que os preços da carne estavam muito baixos. A margem para o produtor de carne estava muito pequena. Agora ficou muito grande. Então, vai haver um retorno, mas não mais para um patamar tão baixo quanto antes da alta. Vai ficar num nível intermediário, que serve para todo mundo, tanto o produtor quanto o consumidor. O mercado vai se ajustar.

O senhor acredita que é o caso de o governo intervir, como defendem alguns políticos, para conter a alta da carne?

Não, não. Não há nada melhor que o mercado. O que está acontecendo? A China consome 14 milhões de toneladas de carne de porco por mês. O Brasil produz 14 milhões por ano. Se nós aumentarmos em 50% a produção de carne de porco, o que é quase impossível, vamos fazer cócegas na China – e está todo mundo de olho no mesmo mercado, Estados Unidos, Canadá, Europa. Todo mundo querendo vender mais frango, mais suíno, mais gado. Frango você faz em menos de 30 dias. Dá para aumentar a produção de frango muito mais rapidamente. Vai haver um aumento na produção de frango no mundo. Vai crescer também a oferta de boi, de leite. Então, a proteína animal vai ter uma oferta crescente, porque a demanda é crescente, até que as duas coisas se encontrem e o mercado se equilibre. Um eventual acordo entre Estados Unidos e China é outro fator que deve mexer no mercado. Se esse acordo que estão prometendo sair, a China vai importar mais grãos dos Estados Unidos, afetando a gente. Mas alguém vai precisar comprar nosso grão para produzir frango e suíno em outro país.

Qual a sua visão sobre a liberação do porte de armas para o produtor rural?

Acho importante, porque hoje a violência no campo é uma coisa que se disseminou, assaltos, invasões frequentes. Agora, a defesa da propriedade está prevista na Constituição. Então, é preciso que haja uma liberdade para isso ser tratado de forma adequada. Com limites óbvios que inibam a violência, uma inversão do processo. Nós não podemos no campo ser vítimas da violência, mas também não podemos ser os autores dela. Outra coisa: hoje tem o negócio do javali, o javaporco, que é uma mistura do javali com o porco. É uma praga. Gera doenças e hoje está tomando conta do campo, mas é proibido matar javali. Tem que matar. Tem certas coisas em que o bom senso é que tem de imperar.



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