• Os preços altos são resultado da escassez de baterias, de matérias-primas como lítio e de componentes como semicondutores
  • A forte demanda de veículos elétricos por compradores abastados significa que as montadoras têm pouca motivação para vender modelos mais baratos
  • Para as pessoas de baixa e média renda sem garagem própria ou calçadas para estacionar, outro obstáculo é a falta de instalações públicas suficientes para recarregar as baterias dos veículos

(Jack Ewing, The New York Times) – Os formuladores de políticas em Washington estão promovendo os veículos elétricos como uma solução para as mudanças climáticas. Mas uma verdade nada agradável persiste: carros movidos a bateria são caros demais para a grande maioria dos americanos.

O Congresso começou a tentar resolver esse problema. O pacote para combate às mudanças climáticas e incentivo à energia limpa aprovado recentemente pelo Senado, a Lei de Redução da Inflação, daria aos compradores de carros elétricos usados um crédito fiscal.

Mas as montadoras reclamaram que o crédito se aplicaria apenas a uma pequena fatia de veículos, pelo menos inicialmente, em grande parte por causa das exigências para o abastecimento doméstico. E especialistas dizem que medidas mais amplas são necessárias para tornar os carros elétricos mais acessíveis e ter um número suficiente deles na estrada para diminuir de verdade as emissões de gases de efeito estufa.

Os preços altos são resultado da escassez de baterias, de matérias-primas como lítio e de componentes como semicondutores. A forte demanda de veículos elétricos por compradores abastados significa que as montadoras têm pouca motivação para vender modelos mais baratos.

Para as pessoas de baixa e média renda sem garagem própria ou calçadas para estacionar, outro obstáculo é a falta de instalações públicas suficientes para recarregar as baterias dos veículos.

Os gargalos levarão anos para serem desobstruídos. Montadoras e fornecedores de baterias e chips devem construir e equipar novas fábricas. Os fornecedores de commodities precisam abrir novas minas e construir refinarias. As empresas de estações de carregamento estão tendo dificuldades para instalar equipamentos rápido o suficiente. Enquanto isso, os veículos elétricos continuam em grande parte na esfera dos ricos.

Até certo ponto, as montadoras estão seguindo sua estratégia habitual. Elas sempre lançam novas tecnologias a um preço de luxo. Com o tempo, os recursos e gadgets acabam indo para os carros mais baratos.

Mas a tecnologia livre de emissões de gases de efeito estufa tem uma urgência que a navegação por voz ou os assentos com massageadores não tinham. O transporte é responsável por 27% das emissões de gases de efeito estufa nos Estados Unidos, de acordo com a Agência de Proteção Ambiental do país (EPA, na sigla em inglês). Carros movidos a bateria produzem muito menos dióxido de carbono que veículos movidos a gasolina ou diesel. Isso é verdade mesmo levando em consideração as emissões da geração de eletricidade e da fabricação de baterias, segundo inúmeros estudos.

Apenas alguns anos atrás, analistas previam que os veículos elétricos em pouco tempo seriam tão baratos quanto os carros a gasolina. Ao pensar na economia com combustível e manutenção, os veículos elétricos seriam uma escolha óbvia.

No entanto, o aumento dos preços de commodities como o lítio, um componente essencial em baterias, ajudou a elevar a média dos preços no mercado de um veículo elétrico em 14% no ano passado, para US$ 66 mil, US$ 20 mil a mais do que a média de todos os carros novos, de acordo com a empresa de avaliação de veículos e pesquisa automotiva Kelley Blue Book.

A demanda por veículos elétricos é tão intensa que modelos como o Ford Mach-e estão de fato esgotados e há longas filas de espera por outros. O site da Tesla informa aos compradores que a entrega de um Model Y, cujo preço de compra é de US$ 66 mil, deve ser feita em algum momento entre janeiro e abril de 2023.

Com tanta demanda, as montadoras têm poucos motivos para ter como objetivo compradores preocupados com o orçamento. Marcas conhecidas por seus modelos econômicos, como Toyota e Honda, ainda não estão vendendo um número significativo de veículos totalmente elétricos no país. A escassez tem sido boa para a Ford, Mercedes-Benz e outras montadoras que estão vendendo menos carros do que antes da pandemia, mas conquistando lucros abundantes.

As montadoras “não estão dando mais descontos porque a demanda é maior que a oferta”, disse Axel Schmidt, diretor-geral sênior da Accenture, que supervisiona a divisão automotiva da empresa de consultoria. “A tendência geral neste momento é que ninguém está interessado em preços baixos.”

Os valores anunciados para veículos elétricos tendem a começar em torno de US$ 40 mil, sem incluir o crédito fiscal federal de US$ 7.500. Boa sorte na tentativa de encontrar um carro elétrico a um preço quase acessível como esse.

A Ford parou de receber pedidos para a picapes elétrica Lightning, com um preço inicial anunciado de cerca de US$ 40 mil, porque não conseguia fabricá-las rápido o suficiente. A Hyundai anuncia que seu Ioniq 5 elétrico custa a partir de US$ 40 mil. Mas os modelos mais baratos disponíveis nas concessionárias na região de Nova York, com base em uma pesquisa no site da empresa, estavam em torno de US$ 49 mil, fora os impostos.

O Model 3 da Tesla, que a empresa começou a produzir em 2017, deveria ser um carro elétrico para o consumidor mediano, com um preço base de US$ 35 mil. Mas, desde o lançamento, a Tesla aumentou o preço da versão mais barata do modelo para US$ 47 mil.

Até mesmo os carros elétricos usados estão em falta. Modelos populares como o Tesla Y e o Ford Mach-e às vezes são vendidos usados por milhares de dólares a mais do que quando foram comprados novos. Os compradores estão dispostos a pagar um preço superior ao da tabela para ter um carro elétrico o quanto antes, mesmo que seja um usado.

Joshua Berliner, empresário de Los Angeles, estava pesquisando no mercado por um sedã Tesla Model 3 usado, mas descobriu que os preços eram maiores que os de um modelo novo da Tesla. “O mesmo se aplica a praticamente todas as marcas que demos uma olhada”, disse Berliner por e-mail.

Ele é dono de um Tesla e queria um segundo para sua esposa, mas disse ter ficado tão chocado que quase comprou um carro a gasolina. “Normalmente não consideraria veículos a combustão, mas se os preços da gasolina estivessem mais baixos, talvez eu tivesse optado por um deles”, disse.

A Lei de Redução da Inflação, que parece ter chances de ser aprovada pelo Congresso, daria aos compradores de carros usados um crédito fiscal de até US$ 4 mil. O mercado de carros usados tem o dobro do tamanho do mercado de carros novos e é onde a maioria das pessoas compra seus veículos elétricos.

Mas o crédito fiscal para carros usados valeria apenas para aqueles vendidos por até US$ 25 mil. Menos de 20% dos veículos elétricos usados se encaixam nessa categoria, disse Scott Case, CEO da Recurrent, empresa de pesquisa focada no mercado de veículos usados.

A oferta de veículos de segunda mão crescerá com o tempo, disse Case. Ele observou que o Model 3, cujas vendas superaram a de qualquer outro carro elétrico, tornou-se amplamente disponível apenas em 2018. Os compradores de carros novos costumam manter seus veículos três ou quatro anos antes de vendê-los.

Um crédito de US$ 7.500 para veículos elétricos novos, outra possibilidade com a Lei de Redução da Inflação, ajudaria a reduzir os preços em geral até ter impacto no mercado de carros usados, disse Case. As montadoras venderam quase 200 mil novos veículos elétricos nos EUA de abril a junho. Conforme esses carros novos envelhecem, os veículos elétricos usados se tornarão “acessíveis a muito mais pessoas”, disse Case.

O problema é que inúmeros carros elétricos novos talvez não estejam aptos aos créditos de US$ 7.500. A Lei de Redução da Inflação estabelece critérios para quanto da bateria de um carro deve ser produzido na América do Norte com matérias-primas de aliados comerciais. Vários fabricantes de automóveis e fornecedores anunciaram planos para construir fábricas de baterias nos EUA, mas poucos começaram a produzir.

“No momento, com nossa falta de capacidade de produção de materiais, não acho que exista qualquer produto que atenda a esse requisito hoje”, disse Carla Bailo, presidente do Centro de Pesquisa Automotiva em Ann Arbor, Michigan, a respeito da norma. “A Tesla provavelmente está perto [de cumprir a norma estabelecida], porém, os demais fabricantes, de jeito nenhum.”

A legislação também exclui veículos elétricos importados do crédito fiscal. A cláusula é projetada para proteger os empregos americanos, mas reduziria a vantagem de preço das marcas chinesas que devem entrar no país. A unidade da MG, da montadora chinesa SAIC, vendia um SUV elétrico na Europa por cerca de US$ 31 mil antes dos incentivos.

Novos designs de bateria dão esperança de carros elétricos mais baratos, porém ainda vai levar anos até que elas apareçam em modelos de preços mais baixos. Como era de se esperar, a próxima geração de baterias que carregam mais rápido e percorrem mais quilômetros provavelmente surgirá primeiro em carros de luxo, como os da Porsche e da Mercedes.

As empresas que trabalham com essas tecnologias avançadas defendem que, no fim das contas, essas baterias vão diminuir os custos para todos, armazenando mais energia em volumes menores. Uma bateria menor significa menos peso para o veículo e reduz o custo dos sistemas de refrigeração, freios e outros componentes porque eles podem ser projetados para um carro mais leve.

“Você pode realmente diminuir todo o resto”, disse Justin Mirro, CEO da Kensington Capital Acquisition, que ajudou a fabricante de baterias QuantumScape a se tornar uma empresa de capital aberto e está preparando a estreia no mercado de ações da incipiente fabricante de baterias Amprius Technologies. “Isso tem apenas um efeito multiplicador.”

O Departamento de Energia dos EUA está tentando incentivar as startups a focar mais nas baterias para o grande público. Em maio, o departamento ofereceu US$ 45 milhões em subsídios para empresas ou pesquisadores que trabalham com baterias que, entre outras coisas, durariam mais, para criar uma oferta maior de veículos usados.

“Também precisamos de baterias mais baratas, e baterias que são recarregadas mais rápido e funcionam melhor no inverno”, disse Halle Cheeseman, diretor do programa voltado para baterias da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada em Energia (ARPA-E, na sigla em inglês), parte do Departamento de Energia.

Gene Berdichevsky, CEO da Sila Nanotechnologies, empresa da Califórnia que trabalha com a tecnologia para a próxima geração de baterias, argumenta que os preços delas estão seguindo uma curva semelhante à das células fotovoltaicas. Os valores dos painéis solares aumentaram quando a demanda começou a decolar, mas pouco depois retomaram uma queda constante.

O primeiro carro a usar a tecnologia da Sila será um SUV de luxo da Mercedes. Mas Berdichevsky disse: “Não estou nisso para fazer brinquedos para os ricos. Estou aqui para tornar todos os carros elétricos”.

Poucas fabricantes oferecem carros voltados para os menos abastados. Um Chevrolet Bolt, utilitário com carroceria tipo hatch, era vendido por US$ 25.600 antes dos incentivos fiscais. A Volkswagen disse este mês que a versão básica para 2023 de seu ID.4, SUV elétrico, que a montadora alemã começou a produzir em sua fábrica em Chattanooga, Tennessee, custará a partir de US$ 37.500, ou cerca de US$ 30 mil, caso o comprador se qualifique para o crédito fiscal federal.

Depois, há o Wuling Hongguang Mini, microcarro produzido na China por uma joint venture da General Motors e das montadoras chinesas SAIC e Wuling. O carro supostamente é mais vendido que o Model 3 da Tesla na China. Embora o preço de US$ 4.500 seja imbatível, é pouco provável que muitos americanos comprem um carro com uma velocidade máxima de cerca de 96 km/h e que percorre em média pouco mais de 100 quilômetros com cada recarga de bateria. Não há sinais de que o carro será exportado para os EUA.

Mais cedo ou mais tarde, disse Carla, as montadoras ficarão sem compradores endinheirados e se voltarão para os outros 95%.

“Eles dão ouvidos aos seus clientes”, disse ela. “Em algum momento, essa demanda por parte de pessoas com renda alta vai diminuir.”/Tradução de Romina Cácia

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