O que faz a Porsche ser a Porsche? Um mito é construído por um conjunto de feitos e histórias, contados e recontados por gerações. Foi a bordo de um 550 Spyder que James Dean, provavelmente o primeiro influencer em tempos analógicos, morreu em alta velocidade em 1955. Nenhuma outra máquina venceu tantas vezes as 24 Horas de Le Mans, a mais incensada das provas automobilísticas. Foram 18 conquistas. Qual foi o primeiro carro adaptado às ruas capaz de passar dos 300 quilômetros por hora? Resposta: o 959 coupé, de 1987.
Por essas e outras façanhas se fez tanto alvoroço quando a marca alemã anunciou seu carro elétrico. A iniciativa desagradou aos puristas, apaixonados pelo clássico motor boxer de seis cilindros, mas colocou a marca na vanguarda da mobilidade. O Taycan, esse é o nome do bólido, foi apresentado em setembro, em três eventos simultâneos, na Alemanha, na China e nos Estados Unidos, os maiores mercados da marca, com transmissão ao vivo. No mês seguinte, estávamos entre as primeiras pessoas que tiveram o privilégio de testar o carro.
A jornada de testes começou em Oslo, na Noruega, durou 18 dias e cruzou nove países. Jornalistas de diferentes nacionalidades revezaram-se entre os trechos. Participamos da última etapa, a mais longa, com 800 quilômetros de extensão, percorridos em dois dias. Saímos de Berlim, dormimos na cidade de Hof e terminamos o périplo em Stuttgart. Não haveria melhor lugar para testar o primeiro Porsche elétrico do que a Alemanha, por uma série de motivos.
A primeira razão é o fato de a Alemanha ser o berço da Porsche. Mais especificamente, a fábrica de Zuffenhausen, inaugurada em 1937 em Stuttgart, onde nosso test-drive terminou. Devolvemos, assim, os carros ao local de onde haviam saído. A manufatura do Taycan fica colada à linha de montagem do 911, provavelmente o modelo mais admirado da Porsche, produzido desde 1963. Futuro e tradição nascem ali, lado a lado.
O Taycan é resultado das mais de sete décadas de história. A começar pelo design. O primeiro carro elétrico da marca não poderia parecer um SUV como o Cayenne, campeão de vendas, porém rejeitado pelos fãs do 911. Um Porsche pode ser elétrico, segundo os engenheiros da marca. Mas precisa ser Porsche. A saída foi um meio-termo. O Taycan é classificado como sports limousine, mas seu apelo esportivo é inegável. O teto cai em direção à traseira, os paralamas parecem sair das laterais, os afilados faróis da frente se destacam. Uma aparência condizente com o desempenho. Na versão Turbo S, os dois motores elétricos, nos eixos dianteiro e traseiro, geram uma potência de 761 cv e fazem o carro ir de 0 a 100 quilômetros por hora em 2,8 segundos. Na versão Turbo, os números são pouco inferiores: 680 cv e 3,2 segundos de 0 a 100. Como assim, turbo? Um motor elétrico não tem turbocompressor. A Porsche explica: adotou o termo apenas para indicar o alto desempenho.
A Alemanha é também o país das autobahns, as afamadas estradas sem limite de velocidade. Nada mais adequado, portanto, para testar a potência de um projétil como o Taycan. Os modos de condução variam do Range, econômico, ao Sport, mais agressivo. Uma vez na estrada, decido pelo Sport Plus. Nessa opção, os alto-falantes instalados em volta do carro são acionados e o ruído do motor, gravado nas oficinas, é ampliado. Nas retas e nas curvas, percebo que acelerar é um vício. No início, dirigir a 190 por hora causa desconforto. O estômago parece subir, as costas colam no banco. Depois você quer mais. Pisar fundo sem causar emissão de poluentes tira qualquer sentimento de culpa. É como comer um Schnitzel, tradicional bife à milanesa local, achando que não engorda.
A Alemanha, país da Porsche e das autobahns, é também uma das nações mais comprometidas com o ambiente, o que torna o teste de um carro elétrico por lá ainda mais emblemático. O movimento ecologista alemão surgiu nos anos 70. O Partido Verde local foi um dos primeiros a ganhar espaço num Parlamento nacional europeu, em 1983. Neste ano, foi o segundo partido alemão mais votado nas eleições europeias. Dois anos atrás, a Alemanha foi a primeira nação a planejar o fim dos automóveis a combustão. Até 2030, todos os automóveis que circularem por lá deverão ser movidos a energias renováveis.
Nos dois dias de teste do Taycan passamos por diversos parques eólicos. O percurso alternou trechos de autobahn com estradas vicinais por vilas. Naquelas ruas estreitas, acionei o modo de condução Range, que economiza bateria, mas limita a velocidade a 150 quilômetros por hora. Rodando lentamente, foi possível apreciar o acabamento. Os bancos são revestidos de Race-Tex, tecido de poliés-ter reciclado. A cobertura do assoalho usa uma fibra reaproveitada de redes de pesca.
Sobre o painel, quem dá as horas é um cronógrafo analógico, redondo, lembrança da herança da marca. Bem mais tecnológicas são as telas de controle espalhadas pelo carro: um quadro de 16,6 polegadas na frente do motorista, uma tela central de 10,9 polegadas, outra igual para o passageiro e uma menor, de 5,9 polegadas, no banco traseiro. Comandos como navegação, mídia e telefone são acionados pelo sistema de voz. Outra inovação são as saídas sem aletas do ar-condicionado. A direção do vento é feita pelo toque nas telas.
A autonomia do Taycan é considerável: de 412 quilômetros na versão turbo S e de 450 na turbo. A recarga acontecia nas paradas para o almoço em um dos postos da rede Ionity, uma parceria da Porsche com Audi, Daimler, BMW, Ford e Hyundai. Já há 150 estações da rede na Europa, e a meta é chegar a 400 até o fim do ano que vem. Uma carga custa 8 euros. Em 20 minutos, chega-se a 80% da capacidade da bateria.
Este é um desafio da Porsche e das demais montadoras que estão investindo em modelos elétricos no Brasil: o pequeno número de postos de recarga. Outro obstáculo é o preço do carro. O custo da bateria pesa nessa conta. No caso do Taycan, o valor deverá passar de 1 milhão de reais ao desembarcar por aqui, no segundo semestre de 2020. Há expectativa de que o modelo desperte desejo entre o público feminino, que corresponde a 12% dos clientes da marca. Um dado animador para a montadora é que metade dos interessados na compra na Europa são novos clientes.
Durante o percurso, perto da cidade de Chemnitz, no leste do país, cruzamos com um trator rebocando um Trabant, carro fabricado entre 1957 e 1991 na anti-ga Alemanha Oriental. O motor de dois tempos fazia o carro ir de 0 a 100 em intermináveis 21 segundos. A concentração de hidrocarbonetos resultante da combustão era pelo menos nove vezes a de um carro médio atual. Uma mistura de resina com fibras de lã formava a carroceria. Era, em resumo, o símbolo de um sistema falido. Difícil pensar em um automóvel mais distinto de um Porsche. Elétrico, bem entendido.
SUSTENTÁVEL ATÉ NO NOME
Com vocês, o XC40 Recharge, primeiro de uma série de carros elétricos da Volvo | Chico Barbosa, de Los Angeles
desde que foi criada, lá em 1927, a volvo tem uma obsessão: a segurança dos ocupantes e o bem-estar da população em geral. Seus automóveis entregam muito mais do que esses atributos, evidentemente, mas a tecnologia em favor da qualidade e da preservação da vida, dentro e fora do carro, é uma vantagem comparativa no desenvolvimento de produtos e nas estratégias de marketing.
Natural, portanto, que a marca sueca ingresse com as quatro rodas no politicamente correto segmento dos carros elétricos. Em uma ensolarada tarde de outubro, a Volvo reuniu a imprensa mundial num galpão cool nos arredores de Los Angeles para mostrar seu primeiro elétrico. O nome: XC40 Recharge.
Sim, ele mesmo, o SUV compacto que já faz sucesso mundo afora rodando com combustível fóssil. Recharge será uma denominação dos modelos da Volvo com motor híbrido plug-in ou totalmente elétrico. E muitos terão. A previsão é que, nos próximos cinco anos, a Volvo Cars lance um modelo elétrico a cada ano. Até 2025, metade de seus automóveis atuará no segmento — os outros 50% serão híbridos.
O XC40 Recharge chegará ao Brasil em 2021. No visual, a mudança mais evidente está na frente, que teve a grade substituída por uma peça compacta. Sem o motor ali, que deu lugar a um porta-malas de 30 litros, as saídas e entradas de ar não são mais necessárias. O carro tem tração nas quatro rodas, autonomia de mais de 400 quilômetros e potência de 413 cavalos. A bateria carrega até 80% da capacidade em 40 minutos com um sistema de alimentação rápido. O preço? Ninguém diz ainda. Sem o motor, a estrutura frontal foi reforçada — para o caso de acidentes. Segue vivo, assim, o lema criado por Assar Gabrielsson e Gustav Larson: “Carros são dirigidos por pessoas. Portanto, tudo que fazemos envolve segurança”.