Tecnologia
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14/03/2021
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19h0
Preço alto dos modelos ainda assusta, mas as vantagens da tecnologia começam a ficar cada vez mais atraentes financeiramente
VICTOR BIANCHIN, AB
Quando se fala no futuro da mobilidade, o assunto dos carros elétricos sempre vem à tona. Com os recentes avanços tecnológicos, porém, esses veículos já deixaram de ser uma promessa e viraram realidade. Uma realidade, aliás, cada vez mais presente: em 2020 o número de veículos eletrificados no Brasil chegou a 42,2 mil unidades, o que equivale a 1% de toda a frota do país, apontam dados da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico).
A contagem inclui as três tecnologias de propulsão eletrificada disponíveis no país: os automóveis e comerciais leves elétricos híbridos não plug-in e plug-in (HEV ou PHEV) e elétricos a bateria (BEV) – estes últimos são os 100% elétricos. Foi um crescimento recorde: 66,5% mais emplacamentos em 2020 do que em 2019.
A promessa do carro elétrico é tentadora: um veículo silencioso, ambientalmente responsável e com pouca manutenção. Há, no entanto, um impedimento relevante à maior adesão dos consumidores à tecnologia no Brasil: o preço. Mas se o investimento inicial nesses carros é salgado, como fica o custo para o uso diário? É isto que a reportagem levantou.
O DESEMBOLSO É ALTO PARA TER UM ELÉTRICO NA GARAGEM |
O custo elevado do carro puramente elétrico é desafio em qualquer lugar do mundo. Enquanto os custos dos componentes destes veículos, como as baterias de íons de lítio, não diminuem, os modelos zero emissão demandam desembolso maior do consumidor. No Brasil, com a carga tributária elevada, a situação fica ainda mais delicada.
Hoje, o carro elétrico mais barato no País é o JAC iEV20, que custa R$ 129.900. Ele é seguido pelo Renault Zoe (R$ 149.990), pelo Chery Arrizo 5e (R$ 159.990), pelo JAC iEV40 (R$ 169.900) e pelo Nissan Leaf (R$ 195 mil). Esse é o top 5 em termos de preço atualmente – e, convenhamos, nenhum deles chega perto de ser acessível à grande parte da população. Ao todo, o Brasil possui cerca de 15 modelos de elétricos disponíveis, sendo que o mais caro, o Porsche Taycan Turbo S, ultrapassa a casa do milhão em preço.
Até mesmo a comparação entre modelos fica mais difícil no caso dos carros elétricos, já que alguns aspectos não são padronizados aqui no Brasil, como a metodologia para medir a autonomia e o consumo de energia. O iEV20 e o Zoe possuem potências menores que os demais (68 e 88 cavalos, respectivamente), mas a autonomia (cerca de 300 km) se equipara. Acontece que existem vários padrões diferentes em todo o mundo para medir estas medições e cada montadora escolhe o que preferir.
No caso do iEV20, a autonomia declarada pela fabricante é de 400 km com base na norma europeia NEDC. Mas esse valor é só no modo econômico – na condução Sport, que permite atingir a velocidade máxima de 113 km/h, o valor cai para os já mencionados 300 km. O Zoe já mede sua potência pelo sistema global WLTP, enquanto o Arrizo usa o padrão do Inmetro.
O modelo mais vendido no Brasil em 2020, no entanto, não foi nenhum desses, e sim o Audi e-tron, primeiro carro elétrico da fabricante alemã. Lançado em abril de 2020 por aqui, o e-tron teve 183 unidades emplacadas, sendo 133 da versão SUV e 50 do Sportback (esta última só chegou em setembro). Os preços dessas belezinhas? R$ 531.990 para o e-tron SUV e R$ 511.990 para o e-tron Sportback.
Resolvido o custo de compra, a próxima preocupação do comprador é bem óbvia: a manutenção. E, nesse quesito, as notícias são boas.
“Os custos de manutenção de um carro elétrico chegam a ser metade do que os de um carro a combustão”, afirma Henrique Miranda, gerente regional de eletromobilidade da BMW. |
“Isso acontece porque a arquitetura de um elétrico é muito mais simples. O motor de um carro a combustão precisa de um sistema de transmissão, outro de escapamento, outro de injeção, outro de resfriamento, etc. Então você está lidando com mais peças móveis e muito mais fluidos dentro do carro. Eu sempre brinco que o primeiro problema de qualquer carro é uma mangueira furada. O carro elétrico não tem isso. Você praticamente não troca peça nenhuma”, afirma.
Mas e quanto à bateria? Afinal, os carros elétricos possuem, além das baterias tradicionais de 12 V que alimentam os periféricos, também as grandes baterias de alta-tensão para o motor. De fato, se o consumidor precisar trocar uma bateria dessas, ele terá que desembolsar uma grana preta. O ponto-chave aqui é essa troca é uma possibilidade remota. As baterias dos elétricos possuem garantias de 8 a 10 anos, um tempo de vida que provavelmente ultrapassa o de uso do carro pelo dono.
“É capaz de o carro virar sucata e a bateria ainda ter valor”, afirma Miranda. “No contexto geral, o carro elétrico acaba retendo mais valor justamente por causa dessa bateria”, argumenta ele, lembrando que, como o mercado ainda é mais novo do que os prazos das garantias, ainda não existem estatísticas sobre trocas.
PODE ENCHER O TANQUE (OU A BATERIA) |
Optar pelo elétrico também vale a pena financeiramente no que diz respeito ao valor gasto por quilômetro rodado. Um carro a combustão exige cerca de 10 litros de gasolina por 100 km rodados, enquanto um carro elétrico demanda cerca de 20 kWh para percorrer a mesma distância. Hoje, na região metropolitana de São Paulo, a Enel cobra em torno de R$ 60 por 100 kWh, já com o ICMS adicionado (esse valor pode mudar de acordo com a concessionária da sua região e com regras como a bandeira amarela e afins).
Fazendo as contas, para andar 100 km com um carro a combustão, você gasta R$ 50 (considerando o preço de 5 reais por litro de gasolina). Para andar 100 km com um carro elétrico, são R$ 12 (considerando o preço de R$ 0,60 por kWh).
“É um baita desconto no custo de uso do carro. Isso sem contar que a estrutura pública de recarga no Brasil ainda é gratuita”, defende Miranda. |
Gratuita? Isso mesmo: abastecer seu carro elétrico na rua não custa nada.
No momento, existem cerca de 350 postos públicos de recarga de carros elétricos no Brasil e todos eles são gratuitos. “O que normalmente se aplica nos eletropostos é o custo da conveniência para carregamento do carro elétrico, como o valor do estacionamento”, afirma Fernando Pfeiffer, gerente de produto da Renault do Brasil. “Mas o consumidor realiza o abastecimento durante a compra de produtos ou serviços”, esclarece.
A maior parte desses postos foi criada para popularização da tecnologia, conscientização da população, branding das empresas que patrocinam o espaço e afins. É improvável que esses postos permaneçam gratuitos no longo prazo, mas a situação atual é essa.
“Os eletropostos são suficientes para a demanda atual, mas a rede deve ir aumentando para acompanhar o crescimento do número de veículos”, afirma Rafael Moya Rodrigues Pereira, gerente de inovação e transformação da concessionária de energia elétrica CPFL. |
Não existe um mapeamento oficial da Aneel para o público, mas vários apps e sites fazem esse levantamento. Entre eles está o PlugShare, um aplicativo colaborativo em que os próprios usuários mapeiam esses pontos.
A Associação Brasileira de Proprietários de Veículos Elétricos e Inovadores (ABRAVEI) também criou um app para encontrar carregadores, enquanto a CPFL afirma estar desenvolvendo um app próprio junto ao Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD). Fora isso, os próprios sistemas de navegação dos carros costumam ter informações sobre pontos de recarga.
Além da localização do posto, o PlugShare também informa o tipo de plugue que ele utiliza. No Brasil, todos os modelos, exceto os da Nissan, utilizam o tipo 2, que é o padrão europeu. Por isso, mesmo que o posto de recarga pertença a uma montadora diferente da que fez o carro, o consumidor pode recarregar seu veículo lá sem transtornos.
Com tudo isso, fica claro que, apesar do alto custo de aquisição, o carro elétrico exige menos despesas no dia a dia e é menos propenso a gerar problemas com manutenção. Além disso, a longa vida útil da bateria garante que não será preciso um novo investimento de grande porte no médio prazo.
No Brasil, no entanto, falta estímulo para a compra desses modelos. Além de poucas iniciativas públicas para ampliar a rede de recarga, também há a questão de que os elétricos pagam de 12% a 18% de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Carros flex com motor 1.0 pagam apenas 7% de IPI, enquanto os 2.0 pagam 11%.
Alguns estados, como Pernambuco e Paraná, possuem isenção total de IPVA para veículos elétricos ou híbridos. Outros possuem isenções parciais, como São Paulo. E vários outros têm projetos de lei tramitando que prevêem redução no imposto para essas classes. “Devem ser levados em conta outros benefícios, como, por exemplo, a isenção de rodízio em São Paulo e a isenção de estacionamento em via pública em Curitiba”, lembra Pfeiffer.
Assim, na ponta do lápis, esses modelos ainda não são a opção mais barata no mercado, mas já estão virando a mais econômica. Quem sabe, em um futuro próximo, você estará dirigindo um?
Tags: carro elétrico, preço, custo, tecnologia, inovação, mobilidade, zero emissão, BMW, Renault, CPFL.