Carros elétricos com baterias ou com célula de combustível de hidrogénio? Estas duas tecnologias tendem a ser consideradas como as alternativas mais viáveis aos combustíveis fósseis. Embora a esmagadora maioria dos veículos ‘zero emissões’ já disponíveis sejam do tipo BEV (Battery Electric Vehicle), ou seja, 100% elétricos, alguns fabricantes e especialistas continuam a apostar que os Fuel Cell Electric Vehicles (FCEV) serão a melhor opção para o futuro. Mas os engenheiros da Renault parecem ter pensado “porque não as duas?” A Renault não é a única marca a desenvolver as duas tecnologias (hidrogénio e 100% elétricos), mas foi a primeira a juntar as duas numa solução híbrida. É verdade que mesmo os carros com célula de combustível a hidrogénio são, na verdade, elétricos no sentido em que têm motores elétricos e até, em regra, uma pequena bateria para acumular energia. Mas não recebem energia elétrica de uma fonte exterior, mas sim da referida célula de combustível, que gera energia elétrica através de uma reação química entre o hidrogénio e o ar. Uma das vantagens desta tecnologia é o tempo de carregamento semelhante ao que estamos habituados com carros a gasolina ou gasóleo.
Híbrido elétrico e hidrogénio
Por oposição, os 100% elétricos (BEV) usam baterias bem maiores que são carregadas através de ma fonte externa. O Scénic Vision que a Renault mostrou aos jornalistas utiliza as duas soluções: uma bateria com 40 kWh de capacidade e uma célula de combustível com 16 kW de potência, alimentada por um tanque de hidrogénio de 2,5 kg de capacidade. Esta solução híbrida permitirá uma utilização 100% elétrica na maioria das viagens (entre 200 a 300 km), dando a possibilidade de se recorrer ao hidrogénio para expandir a autonomia do veículo em viagens mais longas (até 800 km com uma paragem rápida para reabastecimento de hidrogénio).
De outro modo, nesta visão da Renault, o carro será um BEV na esmagadora maioria das viagens, com carregamentos a partir de tomadas. Mas o utilizador terá à sua disposição o sistema de célula de combustível para viagens longas, evitando paragens demoradas para carregamento da bateria. Os engenheiros da Renault conceberam um sistema FCEV compacto, de baixa potência, de modo a não roubar espaço útil ao interior do automóvel. O que significa que o sistema FCEV não será capaz de, por si só, gerar energia q.b. para mover o automóvel. Não é essa a ideia. Como indicado, o objetivo da célula de combustível é expandir a autonomia. Ou seja, produzir energia para compensar parte da energia requerida pelo motor à bateria, com potência máxima de 160 kW.
O sistema de célula de combustível poderá ser usado, ainda, para carregar a bateria enquanto o carro está parado. Uma solução alternativa, quando não existirem postos de carregamento por perto. Como a célula de combustível gera 16 kW de potência, cada hora com o carro parado a carregar ‘internamente’ deverá permitir recuperar cerca e 100 km de autonomia.
A Renault confessa que não se preocupou, para já, com a viabilidade económica desta solução, mas sim em desenvolver a tecnologia que poderá permitir carregamentos em poucos minutos (hidrogénio), ao mesmo tempo que garante uma utilização puramente elétrica na maioria das situações. Segundo os responsáveis da Renault, o desenvolvimento tecnológico e do fabrico deverá permitir à implementação destes sistemas em modelos de produção em série com preço acessível.
Menos espaço?
O Scénic Vision utiliza a mesma plataforma que o 100% elétrico Mégane E-Tech já apresentado pela marca francesa. E o exterior antecipa um novo carro 100% elétrico (sem a componente a hidrogénio) a ser lançado em 2024. Um dos inconvenientes da solução híbrida é o espaço extra ocupado pelo sistema de célula de combustível. Ainda assim, os responsáveis da Renault asseguram que esse impacto foi minimizado: o tanque de hidrogénio foi posicionado na frente do carro, por baixo do capô, a célula de combustível foi instalada na base, junto à bateria de 40 kWh, e o motor elétrico foi instalado na traseira. Tudo graças à polivalência da nova plataforma da aliança (Renault, Nissan e Mitsubishi), que, por exemplo, permite a instalação de motores em qualquer um dos eixos. Mas em conversa com os técnicos da marca francesa, ficou claro que uma versão 100% elétrica do mesmo carro, mesmo que equipada com uma bateria de maior capacidade, teria mais espaço disponível para a mala.
Vários pequenos ecrãs e um ecrã gigante
Temos dúvidas que o conceito de sistema de infoentretimento demonstrado no Scénic Vision chegue a um modelo comercial nos próximos anos, apesar de a Renault ter indicado que o interior antecipa o interior dos carros de 2028. Até porque este fabricante optou recentemente pelo sistema operativo da Google e não nos parece que seja fácil adaptar os conceitos inovadores apresentados no Scénic Vision ao Android Automotive OS. Mas se a Renault e a Google conseguirem encontrar uma forma de casar os dois conceitos, o resultado poderá ser revolucionário. Isto porque em vez da já habitual arquitetura de um grande ecrã tátil central complementado por um painel de instrumentos digital, no Scénic Vision são usados vários ecrãs pequenos, que funcionam com widgets programáveis. Isto significa que se podem atribuir funções a cada um dos ecrãs e alternar entre os widgets disponíveis com um simples arrastar do dedo. Por exemplo, podemos ter um dos ecrãs a controlar a climatização, um outro dedicado ao controlo do som e um terceiro a mostrar a qualidade do ar exterior. Entre o condutor e passageiro existem quatro destes pequenos ecrãs, que têm ainda a inovação de serem articulados e de se virarem para o condutor ou passageiro de acordo com quem estiver a utilizá-los – e, sim, os pequenos ecrãs rodam automaticamente em função do olhar dos utilizadores.
Há mais destes pequenos ecrãs espalhados pelo carro: nas portas, do lado do condutor, acessíveis para os passageiros no banco de trás.
Capô ‘transparente’
Estes pequenos ecrãs com widgets podem funcionar de modo independente – para controlo da climatização, por exemplo – mas também funcionam como interface de controlo do ecrã colocado entre o tablier e o para-brisas. Um ecrã que parece fazer parte do vidro para-brisas e, portanto, é muito largo e curvo. Esta amplitude permite apresentar vários tipos de informações, desde dados mais relacionados com a condução do lado do condutor a multimédia da parte do passageiro. Mas a função mais inovador é o modo “capô transparente”, em que este ecrã apresenta a imagem captada por uma câmara instalada em frete o que dá a sensação que o carro não tem capô. O que aumenta muito a visibilidade.
Sustentabilidade: da produção ao final de vida
A Renault tem um plano ambicioso para deixar de ser conhecida como fabricante de automóveis e passar a ser vista como uma empresa tecnológica, verde e que vende serviços ligados à mobilidade. Uma parte importante desta transformação passa pela sustentabilidade. O Scénic Vision recorre 70% de materiais reciclados. Por exemplo, o piso interior do carro é feito de garrafas de plástico recicladas e os bancos são brancos para evitar a utilização de pigmentos. Mais inovador ainda é forma como foi feita a cor exterior: a tinta preta é produzida com base num pigmento criado a partir da apreensão de carbono, uma tecnologia conseguida em colaboração com uma startup. A utilização de materiais reciclados estende-se às baterias e à célula de combustível. No total, segundo a Renault, o Scénic Vision tem uma pegada carbónica 75% inferior à de um Mégane convencional.