Veio das pistas de automobilismo a mentalidade que faz Daniel Scandian atravessar a crise do novo coronavírus sem tantos sobressaltos. Fundador e CEO da MadeiraMadeira, um modelo híbrido de loja virtual e marketplace de móveis, o empresário trabalha com vários cenários para enfrentar, com o mínimo impacto possível, os efeitos das medidas para conter a doença.

Dos 13 aos 23 anos de idade, Daniel pilotou carros de diferentes categorias, iniciando no kart e chegando até a Fórmula-3. “Isso me trouxe muitas lições, principalmente de como saber perder, como cair e levantar. Esporte é das coisas que mais faz a gente se preparar para alguns tipos de frustrações”, afirma.

Entre os ensinamentos dos tempos em que vestia capacete e macacão, a certeza de que não pode ser refém do que está fora de seu controle. “No automobilismo, tinha a questão da chuva. Não posso controlar se vai chover ou não. O que tenho de fazer é me preocupar em melhorar meu carro para andar na chuva. Tenho de saber quais são as coisas que eu posso controlar e não posso controlar. Estou muito focado nisso, orientando nosso time para não ficar especulando. Não posso me preocupar se isso vai demorar 30 dias ou seis meses. O panorama é de traçar multicenários para reagir conforme as coisas mudam”, destaca.

Daniel foi piloto de automobilismo por 10 anos.  — Foto: Arquivo pessoalDaniel foi piloto de automobilismo por 10 anos.  — Foto: Arquivo pessoal

Daniel foi piloto de automobilismo por 10 anos. — Foto: Arquivo pessoal

Como a MadeiraMadeira recebeu investimentos significativos em setembro de 2019, há algum fôlego para enfrentar o baque. Daniel começou a sentir os efeitos da crise logo no início do ano, já que lida bastante com o mercado chinês. Notou, então, que precisava agir. “Quando comecei a ver o problema na China e na Europa, já começamos a montar um plano de contingência. Ficar magrinho, parar os investimentos, enxugar eventos, viagens. Negociar despesa com fornecedores. Agir muito rápido. A gente já está com nosso objetivo de enfrentamento da crise 80% concluído. Já temos planos para quatro cenários de crise, inclusive para faturamento zero. Estamos com 50% de faturamento”, conta.

Além da preocupação em cortar gastos desnecessários, há um olhar para as oportunidades que podem surgir. Daniel destaca a necessidade de mostrar os diferenciais da empresa para parceiros de negócios que, eventualmente, estarão fragilizados com a crise. Nesse cenário, é preciso se sobressair diante dos concorrentes e mostrar a esses parceiros que a relação com a MadeiraMadeira pode ser essencial para atravessar o mau momento.

A preocupação com a moral dos funcionários é outra ponta dos planos da empresa. Há a consciência do peso do isolamento social para a equipe. Por isso, Daniel se preocupa em manter seu time com o entusiasmo necessário: “Já é duro para quem tem família como eu. Imagine para quem é solteiro e fica sozinho o dia inteiro”.

A urgência para reagir vem, também, da vivência de Daniel no enfrentamento de outra crise, a de 2008. Na época, ele trabalhava na empresa da família, uma indústria de pisos que vendia principalmente para o Exterior. Com o momento turbulento da economia nos Estados Unidos e na Europa, a empresa não resistiu e fechou as portas.

Daniel e o irmão Marcelo se viram em uma encruzilhada – teriam de ir para o mercado ou empreender em um novo negócio. Surgiu então a ideia da MadeiraMadeira. Venderam o estoque da antiga indústria, comercializaram também o maquinário usado e, assim, conseguiram caixa para dar pontapé inicial na companhia.

Até fazê-la engrenar, sofreram. Enfrentaram a desconfiança do mercado com o modelo inovador: era uma loja virtual, sem estoque. Vencido o preconceito, atravessaram um momento difícil em 2012, quando passaram a vender para outras empresas. “Era um sistema de venda com crédito, parcelado. Começamos a vender, mas não recebíamos os valores. Em paralelo, teve muitas fraudes de cartão de crédito. Existia um sistema antifraude que a gente não sabia usar direito, não era tão bom quanto hoje. Para pedir dinheiro emprestado, não tinha ativo para dar em garantia”, recorda-se Daniel.

Depois de muitas noites insones em que acordava o irmão Marcelo perambulando pelo apartamento e esquentando canecas de leite para conseguir dormir, o jeito foi pedir ajuda à família. Venderam imóveis das irmãs para tapar o buraco financeiro e seguiram adiante.

Tiveram outro percalço em 2015, quando já recebiam investimento externo, mas sofriam para levar o negócio a outro patamar. “Em uma reunião de conselho, eles (investidores) falaram o seguinte: “Vamos dar um pouquinho mais de dinheiro e acabou. Vocês precisam virar o jogo”. Corremos para poder diminuir despesa, aumentar vendas, trazer resultados para o curto prazo. Foi quando terminamos uma plataforma de dropshipping (técnica de gestão em que o revendedor oferta e comercializa produtos que estão no estoque do fornecedor) e abrimos outros canais de venda, não só no site. Invertemos o fluxo de caixa e passamos a crescer”.

Daí em diante, a evolução foi galopante: 80% ao ano. Os planos para 2020 eram ambiciosos, mas tiveram de ser revisitados: “Antes tinha expansão muito agressiva no e-commerce, lançamos uma transportadora própria, abrimos loja em Curitiba com plano de expansão para o Brasil. Nesses momentos, a gente traz resultado para o curto prazo. Temos de rever projetos, prioridades e investimentos”, analisa Daniel.

Com a cabeça a funcionar como nos tempos em que estava enfiada dentro de um capacete, ele já sabe que vem chuva por aí, mas não tem ideia se será uma tempestade duradoura ou uma garoa passageira. Se isso não está em seu controle, ao menos já traça planos A, B, C e D para executá-los com agilidade assim que a crise mostrar seu tamanho.

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