Em Riad, durante o último Dakar, o pessoal da Audi prometeu: quando terminasse a corrida, feito o balanço e feitas as devidas considerações, a Quattroruote (parceira da MOTOR SHOW na Itália) ficaria entre os poucos meios de comunicação do mundo a pilotar um dos Audi RS Q e-tron com os quais Mattias Ekström, Stéphane Peterhansel e Carlos Sainz correram os 8.099 quilômetros do rali mais famoso e extenuante do planeta.
E como em Ingolstadt eles costumam cumprir o que prometem – mas a insistência com que reiteramos o pedido não deve ser subestimada –, cinco meses após a conclusão da prova, aqui estamos ao volante de um dos carros com que o time das quatro argolas disputou a competição na Arábia Saudita.
Nós, jornalistas automotivos, não costumamos ceder a superlativos ou expressões de espanto, porque dirigir automóveis – mesmo os mais espetaculares e raros deles – é, em última análise, nossa missão. Mas desta vez precisamos sublinhar a excepcionalidade da coisa.
Se já é raro um fabricante permitir que um humilde jornalista experimente um de seus carros de corrida, é absolutamente inédito que o deixem subir em um objeto de valor milionário do qual existem apenas três exemplares (os veteranos do Dakar), e, a seu serviço, não apenas um esquadrão de mecânicos e engenheiros que falam alemão, mas também um navegador oficial (o muito gentil Emil Bergkvist, geralmente colega de equipe do compatriota Ekström: devem ter pagado caro para convencê-lo a sentar ao lado de um estranho).
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De macacão, capacete e cinto de segurança, estamos prontos para soltar a fera em um caminho escolhido para reconstruir do modo mais real possível a atmosfera desértica da qual o RS Q e-tron é uma expressão: a sessão de testes, de fato, foi organizado na pista de autocross de Loelle, palco de uma das etapas especiais do Rali da Sardenha.
As estradas de terra e saltos foram animados pelo aparecimento ocasional de vacas abandonadas e pelo apoio entusiástico dos nativos amistosos – e convencidos de que uma gota de Cannonau às 9h da manhã pode contribuir substancialmente para o desempenho do piloto ocasional.
Esclareço: quando digo fera, não estou brincando. O Audi de rali, desenvolvido em tempo recorde especialmente para o Dakar 2022, é tão largo e alto quanto um Humvee de uso militar, vagamente semelhante a uma daquelas veículos que vagam pela superfície lunar, empoleirada em enormes pneus BFGoodrich, cuja espetacular presença dá sentido estético aos conteúdos técnicos de vanguarda.
A Audi sempre teve paixão por desenvolver carros com tração nas quatro rodas para corridas, mas ninguém jamais pensou em experimentar corridas off-road de resistência. E como são estranhos, uma vez que escolheram descer para a arena de ataque, decidiram que a aventura não poderia ser chamada assim se algo novo não fosse criado.
E agora, em Ingolstadt, novo é sinônimo de elétrico. Já havia algo na fábrica da marca que poderia ser útil – powertrains da Fórmula E que eles abandonaram – mas era preciso achar uma maneira de garantir que houvesse eletricidade suficiente a bordo para alimentar esses motores durante todas as intermináveis etapas do Dakar.
QUASE 400 CAVALOS
Benedikt Brunninger, líder do projeto, brinca: “Se quiséssemos chegar apenas com as baterias para o primeiro reabastecimento, precisaríamos de um trailer para rebocá-las”. E aqui está o golpe de gênio: ao contrário do que acontece nas 24 Horas de Le Mans na classe Protótipo, onde o motor elétrico serve para dar um impulso a outro movido a combustão, aqui uma unidade quatro cilindros turbinada de dois litros (o EA888 usado até 2020 no RS5 do DTM) se encarrega de produzir a energia destinada às baterias de 52 kWh, funcionando como gerador de bordo (o tanque de gasolina tem 296 litros).
As duas unidades elétricas, uma em cada eixo, acionam as rodas motrizes (portanto, é uma tração integral “natural”), enquanto a terceira MGU tem a função de recarregar a bateria nas fases de não desaceleração e frenagem.]
A potência máxima do sistema é de 392 cv, limitada pelos regulamentos do Campeonato Mundial de Rally-Raid da Fia, com velocidade limitada (de novo, pelo regulamento) a 170 km/h, com uma aceleração de 0-100 km/h em 4,5 segundos.
Tecnicamente falando, portanto, é um híbrido de série: mas o que importa é que a tração seja 100% elétrica, tornando o RS Q e-tron o primeiro BEV da história a participar de uma corrida de resistência, ainda mais off-road.
Do ponto de vista do impacto ambiental, operar um motor a combustão interna para garantir a propulsão das duas unidades elétricas não é bom. Mas esta é uma aplicação extrema, pensada para garantir a máxima autonomia possível onde a eletricidade simplesmente não existe, partindo do pressuposto essencial de que o movimento foi assegurado apenas com elétrons.
Sou içado ao cockpit sob o olhar preocupado de Bergkvist. Nunca dirigi um carro assim e não tenho ideia do que esperar. O trajeto não é rápido, mas a fera tem 2.370 kg (mais a gasolina), e você mal consegue perceber as dimensões.
Dou as primeiras voltas usando apenas os motores elétricos: a aceleração é bem encorpada, mas não te prende ao assento, e o silvo de baixa frequência não é irritante. Inevitavelmente, não há troca de marcha, o que deixa a aceleração gradual mesmo quando se pisa fundo. A frenagem regenerativa foi desativada para evitar uma sensação de desorientação.
O mais incrível é que, apesar da distância ao solo e das grandes massas envolvidas, o RS Q e-tron tem a dirigibilidade de um carro de rali: depois de uma volta, entendo que o melhor modo de fazer curvas é o bom e velho pêndulo. Você joga o carro na direção oposta da curva, solta o acelerador para trazer o peso para a frente, ajusta tudo com uma virada brusca do volante na direção e sente a traseira começa a escapar suavemente para fora. Nesse ponto, você acelera fundo de novo e derrapa nas quatro rodas.
Bergkvist me aprova com os polegares para cima, mesmo que Ekström faça essa manobra em um nanossegundo e sem tantos “braços” no volante. O carro parece voar no chão e a direção é leve, estilo americano dos anos 60: nas etapas do Dakar, mesmo com o ar ligado, imagino que o cansaço só vem depois de uma maré de quilômetros.
Na terceira volta, “meu” navegador liga o motor a combustão para recarregar a bateria. A sensação é que o quatro cilindros gira constantemente em torno de 5.000 rpm: quando você freia, o cérebro espera que o ruído diminua, mas em vez disso, continua, nos deixando perplexos. Eu poderia passar o dia inteiro “brincando” com esse objeto fantástico. Mas Bergkvist me sinaliza que acabou. Agora o compromisso – para pilotos de verdade – é no Dakar 2023.
O piloto: surpreso com o desempenho
Para sua estreia na corrida mais difícil do automobilismo, a Audi não arriscou: optou pelos melhores nomes em circulação. A gestão foi da Q Motorsport, a empresa de Sven Quandt que dominou os ralis e raids nos últimos anos. Já para pilotar, foram contratados três pilotos famosos: Mattias Ekström, Carlos Sainz (bicampeão mundial de rali) e Stéphane Peterhansel – que ganhou o Dakar 14 vezes, seis de moto e oito de carro. Perguntamos a ele como é levar o RS Q e-tron para o deserto.
O que mais te surpreendeu?
Sem dúvida o desempenho, especialmente nas dunas, onde o powertrain elétrico tem uma entrega mais suave do que um a combustão. Você está sempre usando o torque certo, e o fato de não ter a caixa de câmbio permite que você se concentre na trajetória a escolher, mantendo sempre as duas mãos no volante. É um novo estilo de condução, e eu gostei dele.
O grande peso é compensado pelo centro de gravidade mais baixo que o normal?
Eu nunca tinha dirigido um carro com centro de gravidade tão baixo. Nas curvas longas, onde outros carros começam a pular em duas rodas, você se sente sempre seguro. O peso é de fato um problema, e temos que tentar reduzi-lo em cerca de 150 e 160 kg.
É a primeira vez que você dirige um carro sem caixa de câmbio em uma corrida?
Sim, mas imediatamente me senti à vontade. A aceleração é linear de 0 a 170 km/h, e a velocidade máxima, definida pelo regulamento. Se há do que reclamar, a coisa mais difícil com a qual se acostumar é a falta de correlação entre nosso ritmo e a velocidade do motor a gasolina que gera energia, e por isso sempre funciona em alta rotação, independentemente da velocidade do carro. Quando você freia e as rotações não caem, o efeito é um tanto alienante.
Por quanto tempo funciona o “conversor de energia”?
Durante as transferências, 50% do tempo; mas, nas etapas especiais, está sempre ligado.
A recuperação de energia dos freios atrapalha?
A frenagem não é mais potente do que em um sistema tradicional. A maior vantagem está na perfeita distribuição entre os eixos. Quando você freia, em um carro normal há uma notável transferência de peso para a frente, o nariz afunda e a traseira fica instável; em um elétrico, por outro lado, você sente o carro agarrando ao chão com as quatro rodas.
É possível ajustar o nível de recuperação e a distribuição do torque entre os eixos?
É claro. De qualquer modo, decidimos a configuração no início da prova, e sempre a mantemos. Quanto ao torque, ele geralmente é dividido em 45% na frente e 55% na traseira. Se a etapa for rápida, aumentamos para até 70% na frente; se for lenta, privilegiamos a tração traseira, para ajudar o carro a fazer as curvas.
Na corrida, você também usa o freio de mão elétrico?
Nunca, exceto quando estaciono para pedir ajuda. A beleza dos EVs é que mesmo esse recurso pode ser desligado e ligado em um piscar de olhos.
Há algo que você não tenha gostado no RS Q e-tron?
O ruído do motor a combustão é realmente muito alto.
Como o desenvolvimento do carro continuará agora?
Os únicos problemas que tivemos foram com alguns pontos fracos do chassi, especialmente em termos de suspensão, mas o trem de força funcionou perfeitamente. Se conseguirmos corrigir esses aspectos e reduzir o peso do carro, acredito que o próximo objetivo será vencer o Dakar 2023.
Com a devida reverência, considerado o valor do carro (que ninguém se atreve a dizer) e a raridade (é um dos três veteranos do Dakar), abordamos a fera de Ingolstadt. A única diferença da configuração do rali é a falta de um computador para navegação por GPS. A estrutura é feita inteiramente de carbono
AUDI RS Q e-tron
Motores: elétricos síncronos com ímãs permanentes, dianteiro e traseiro + extensor de autonomia a combustão, quatro cilindros, 2.0, traseiro e transversal
Combustível: bateria + gasolina Potência: 392 cv (total, de tração)
Câmbio: caixa redutora com relação fixa, uma marcha à frente e uma à ré
Suspensões: triângulos sobrepostos, (d/t), amortecedores ajustáveis
Freios: disco internamente ventilados (d/t)
Tração: integral elétrica, diferencial autoblocante
Dimensões: 4,901 m (c), 1,935 m (l), 1,629 m (a)
Pneus: BF Goodrich 37×12,5 R17
Baterias: íons de lítio, 52 kWh, 370 kg
Tanque: 295 litros
Peso: 2.000 kg
0-100 km/h: menos de 4s5
Velocidade máxima: 170 km/h (limitada eletronicamente)
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