Foram dias de aventura pela Namíbia, terra onde foi filmado Mad Max (Foto: Divulgação)

Sete décadas se passaram desde o lançamento do Land Rover Série 1, aquele que se tornaria o Defender em 1983. Ao longo desse tempo, a fama do utilitário passou a ser mundial — tanto que ele chegou a ser feito no Brasil, entre 1997 e 2005. Imparável, o Defender é capaz de transformar qualquer um que o dirija em um durão, até mesmo a rainha Elizabeth II, fã do utilitário. Somente o progresso o parou. As exigências de segurança e a evolução do mercado tiraram o clássico de linha em 2016.

Foi necessário criar uma geração nova para encarar uma igualmente nova realidade. Mas de nada adiantaria um novo Defender que não pudesse seguir a trilha do anterior. Por isso mesmo, a marca inglesa promoveu o primeiro contato com o SUV na Namíbia, África. 

A altura das dunas do deserto da Namíbia passa dos 300 metros (Foto: Divulgação)

Chegar a quase qualquer lugar é o lema do Defender, mesmo que isso signifique desbravar caminhos até alcançar o Van Zyls Pass, em plena Kaokoland, no norte da Namíbia, considerada uma das zonas com trilhas mais exigentes de todo o continente africano. O objetivo era conferir se o Defender conseguira manter a fama do antecessor, a despeito de ter se tornado mais burguês.

Recriar um automóvel icônico está longe de ser fácil, porque o perigo de cair em um design retrô sentimentalista é alto. Gerry McGovern, o chefe de design da Land Rover, diz que o novo modelo “presta um tributo ao passado sem ser refém dele”.

Lanternas de LEDs fazem referência ao conjunto de luzes simples do original (Foto: Divulgação)

A frase contém uma pitada de conversa de marketing, mas não tenho problema em reconhecer que há um fundo de verdade: o Land Rover é imediatamente reconhecível como um Defender. Há vários pontos que ajudam a identificá-lo. A dianteira e a traseira cortadas de forma reta são dois elementos característicos. Até as rodas branquinhas lembram o conjunto do antecessor. O teto branco é outro ponto saudosista. Se antes servia para diminuir o calor dentro do carro, agora virou um toque hipster em modelos com ar-condicionado.

Acessórios também ajudam no reconhecimento, especialmente as escadas laterais funcionais, capazes de suportar 168 kg com o carro em movimento ou 300 kg parado, perfeitas para acessar o teto e pegar um galão no rack ou uma pá na hora de enfrentar atoleiros. Caixas laterais destacáveis servem para guardar apetrechos como extintor, caixa de primeiros socorros e o que mais couber ali.

O antigo Defender teria adorado enfrentar esses desafios (Foto: Divulgação)

A aventura começou na província de Kunene, norte do país, quase na fronteira com Angola, onde cheguei depois de aterrissar de um soluçante voo doméstico em Opuwo, capital da província. Ali recebi as instruções sobre a jornada dos próximos três dias. Ficou claro de imediato que passaríamos por terrenos exigentes de vários tipos. Cursos de água, rochas duras, lamaçais, areais e inclinações pesadas em 800 km de provação. Uma expedição da qual o Land Rover Série 1, de 1948, teria gostado.

O itinerário começou ligando Opuwo a Van Vyls, uma passagem por uma elevação de quase mil metros de altura e piso de britas, provação para qualquer tração. Logo depois, entrei em estradas de cascalho e zonas que foram alagadas no passado e hoje são areais.
No primeiro dia, cobrimos 250 km.

Só vendo de longe para se surpreender com os cenários que o Defender supera (Foto: Divulgação)

No segundo dia, a etapa seria de 310 km. A caravana de quatro Land Rovers foi até uma cidade de Purus. Foram zonas de rali de aventura, tal como uma descida de 600 metros e inclinações laterais de 35 graus. O trecho mais exigente deu trabalho ao Defender para superar apenas 20 km. Ao longo do caminho, o comboio cruzou com animais como girafas e cangurus, além de gigantes como elefantes e rinocerontes, esses sim capazes de competir com o Defender e ganhar de suas 2,5 toneladas.

O terceiro dia nos reservou um dos cenários mais cinematográficos de toda a África: o Parque dos Esqueletos, assim batizado pela grande quantidade de naufrágios ocorridos ali mesmo, na costa atlântica. Dilapidados, os navios deixaram suas estruturas em forma de espinha e ossos como testemunhas. Como se fossem esqueletos de grandes mamíferos.

Escada retrátil suporta até 300 kg de peso e o rack leva muita carga (Foto: Divulgação)

A despeito de estarmos na costa, a região faz parte do Deserto da Namíbia, uma extensão de 955 km que cobre partes do país, da Angola e da África do Sul e tem quase o tamanho do Brasil – e local das filmagens de Mad Max. É um dos desertos mais antigos do mundo, surgido há 55 milhões de anos. Aliás, Namib significa “vasto” na língua local nama, idioma tão difundido que batizou o país.

Fizemos apenas uma pequena incursão por essa zona costeira de enormes dunas, esculpidas pelos fortes ventos que sopram do Atlântico. Algumas delas estão entre as mais altas do mundo e chegam a 300 metros. Imagine um prédio com mais de 60 andares para ter uma ligeira ideia.

As paisagens de vista livre da Namibia foram as grandes recompensas (Foto: Divulgação)

Ao volante, não fiquei com o braço pressionado pela porta ou com o para-brisa próximo demais, duas coisas que perturbavam no Defender antigo. A posição de dirigir permite ver qualquer encrenca antes de entrar nela.

E uma mágica me dá uma visão além do alcance: o sistema de visualização de 360 graus mostra tudo o que está a minha volta e até debaixo do carro, exibindo imagens que o capô cobriria. Dá para desviar até de ameaçadoras rochas pontiagudas para evitar danificar os pneus, por mais que eles sejam os resistentes Goodyear Wrangler fora de estrada.

Central mostra as rodas dianteiras e o que há por baixo do capô como se ele fosse invisível (Foto: Divulgação)

Se o Defender anterior já considerava a direção hidráulica uma bela invenção, o novo aposta em tecnologias como head-up display, quadro de instrumentos digital e mais USB do que em um escritório. Tem até conexão 5G.

E o retrovisor eletrônico tem uma câmera para mostrar o que se passa sem ligar para cabeças e encostos do banco, embora não tenha uma imagem com tanta profundidade como seria a de um espelho interno convencional.

Terrain Response 2 se adapta a vários tipos de terreno (Foto:  Divulgação)

Entre os dois bancos da frente existe um enorme suporte de magnésio, que amplia a rigidez estrutural e oferece apoio aos ocupantes durante sacolejos. O acabamento é bom, mas ainda assim tem piso e outras partes laváveis e oferece um ou outro toque rústico, a exemplo dos parafusos aparentes. Outro ponto retrô é o terceiro lugar central na dianteira no modelo curto. É uma solução para pessoas pequenas e percursos curtos que se tornou rara, mas era comum décadas atrás. Se você não for usar o assento, basta rebater o encosto e transformá-lo em um prático console.

Espaço não falta: o Defender leva de seis a sete ocupantes decentemente, especialmente na versão longa. As fileiras de assentos são convencionais, uma atrás da outra. Antigamente, o jipão comportava até quatro passageiros no porta-malas em bancos virados um para os outros, na longitudinal mesmo. Um toque saudosista que jamais atenderia a um crash test moderno. Tem ar-condicionado de três zonas, nada de calor subsaariano. Já se foi o tempo dos homens das cavernas…

Novo Land Rover consegue passar por uma boa profundidade (Foto: Divulgação)

O Defender curto continua a se chamar 90. O número indicava a distância entre-eixos do anterior em polegadas — pelo menos em teoria, pois 90 polegadas equivalem a 2,28 metros, mas o jipe tinha 2,36 m. O novo Defender 90 possui 2,58 m de entre-eixos, ou seja, o equivalente a 101 polegadas. Para compensar, o 110 acertava a conta no passado: o número em polegadas indicava os 2,79 m reais, o que não acontece agora, uma vez que o entre-eixos passou a 3 metros (118″). Que seja. Será que alguém gostaria de um Defender 101 ou 118?

A construção do Defender abandonou o parrudo conceito de cabine sobre chassi para adotar um monobloco com a maior rigidez torsional de qualquer Land Rover (três vezes superior à do antecessor). As suspensões a eixo rígido também deram lugar a um jogo independente, com duplos triângulos sobrepostos à frente e multilink atrás. A plataforma parte do que conhecemos como D7 no Jaguar XE e acrescenta um “x”, de 4×4, recebendo o motor longitudinal e tração nas quatro rodas, claro.

Caixas porta-objetos são úteis e dão um toque aventureiro (Foto: Divulgação)

Da mesma maneira, o sistema de tração passou do analógico para o digital com o Terrain Response 2, sistema de gerenciamento eletrônico de tração com opções que tornam o veículo capaz de se adaptar a qualquer terreno. Em vez de bloquear o diferencial central manualmente, por meio de alavancas redutoras, basta entrar no menu da central multimídia. Os modos incluem normal (para brita), água, rocha, lamas/sulcos, grama/neve e areia. Não é o suficiente para transformar um motorista comum em um piloto de Dakar, mas é o bastante para não deixar nenhum aspirante a jipeiro pelo caminho.

Na areia, o sistema de tração e o câmbio automático ZF de oito marchas trabalham juntos para entregar força constante. Encontrou rochas? De série no Defender 110, a suspensão com molas a ar é capaz de aumentar a altura de rodagem em até 7,5 centímetros extras. Até na hora de parar o carro tem um truque eletrônico: as molas também baixam 5 cm em relação à posição normal, o que é perfeito para desembarcar pessoas e bagagem. Os ângulos fora de estrada são melhores que os do Jeep Wrangler, Toyota Land Cruiser e Mercedes-Benz Classe G. Falta apenas o Ford Bronco para compararmos.

Painel tem apenas formas que lembram o clássico e aposta em telas digitais (Foto: Divulgação)

Pena que o Defender 90 tenha suspensão convencional, logo ele, o modelo duas portas criado para ser mais ágil por ter entre-eixos 44 cm menor e, com isso, maior capacidade de transposição central.

Foi preciso empenho para encontrarmos um curso de água de respeito no país mais seco daquela região da África. Mas quem preparou a expedição conseguiu localizar um para testarmos o Wade Sensing, sensor que mede a profundidade da água antes de mergulhar com o carro. O Defender tem “pé” até 90 cm de água e a profundidade é exibida no multimídia. Nessa hora, a eletrônica fecha a ventilação da cabine, suaviza a resposta do acelerador, eleva a carroceria e ajusta os diferenciais. Logo depois de vencer a água, o sistema pressiona as pastilhas contra os discos para secá-las. 

Central multimídia tem recursos de um bom smartphone (Foto:  Divulgação)

Já deu para ver que o novo Defender consegue passar pelos mesmos caminhos difíceis do seu antepassado. O que mudou mais foi o modo como ele faz as coisas, sem descabelar o motorista ou cansá-lo com uma posição de direção encarada como torturante. Agora a direção faz mais do que apenas apontar mais ou menos para o rumo necessário; há conforto de rodagem e a suspensão é capaz de lidar com os buracos, não deixando apenas a cargo dos corpos dos ocupantes a função de absorvê-los. É um Discovery em versão safári (confira o teste do modelo).

Mesmo o motor mais fraco do Defender tem quase o dobro da potência do seu antecessor, algo que fez o SUV se destacar em uma selva inteiramente nova: as autoestradas. São dois motores diesel 2.0, com ajustes de 200 cv e 240 cv (D200 e D240). Há ainda o conhecido motor 2.0 turbo a gasolina de 300 cv (P300) e o V6 3.0 de 400 cv (P400), este último com sistema híbrido suave de 48V, capaz de atuar como superalternador e também como motor elétrico auxiliar para dar uma força nas retomadas.

Banco central dianteiro pode ser rebatido para virar um console (Foto:  Divulgação)

Com apenas dois ocupantes, o Defender P400 não se ressente do peso elevado do conjunto e acelera como alguns pequenos esportivos. A arrancada de zero a 100 km/h é feita em 6 segundos, mais rápido do que um Volkswagen Golf GTI. Mesmo o P300 consegue fazer o mesmo em bons 8 s. Quem diria que o zero a 100 km/h seria um dia destaque em uma matéria sobre o Defender?

O seis cilindros tem sonoridade rouca e bem mais refinada que o tec-tec-tec dos diesel antigos. A caixa automática agradece pelo empurrão extra da eletricidade e faz um trabalho ótimo na digestão do que é enviado pelo motor. Consegue ser rápida e extremamente suave, algo agradável na brita ou no meio de uma ribanceira de rochas ou lama.

O banco do meio dianteiro fica em posição bem mais elevada (Foto: Divulgação)

Três dias e quase 800 km mais tarde, o Defender me devolve intacto ao aeroporto de Opuwo, com músculos sem estiramentos e ossos no lugar, assim como intactos ficaram todos os terrenos em que pisamos, até porque este é um dos poucos países do mundo que mencionam a preservação dos recursos naturais na sua constituição — provavelmente por ser uma das mais jovens nações do planeta, formada em 1990. Cerca de dois terços da população tem menos de 29 anos. Talvez jovens demais para se lembrarem do Defender.

E qual é o veredito? Voltamos mais ricos. Não porque tenhamos encontrado alguma gema de diamante, riqueza das mais abundantes na Namíbia, mas porque guardamos memórias de um país apaixonante e pacífico, com belíssimas paisagens. O Defender havia se tornado um utilitário que era amado pelos que o consideravam um instrumento de precisão para trilhas e um estilo de vida, mas que era odiado por qualquer um que buscasse modernidade. O novo será capaz de conquistar uma fatia muito maior de público. No Brasil, a nova geração do Land Rover deve chegar ainda neste ano, com a mesma missão de agradar os fiéis e conquistar um público que deseja algo mais moderninho que o Discovery.

Ficha técnica

Motor
Dianteiro, longitudinal, 6 cilindros em V, 3.0, 24V, comprimido, injeção direta, gasolina + motor elétrico

Potência
400 cv a 5.500 rpm

Torque
56 kgfm a 2.000 rpm

Câmbio
Automático, oito marchas e tração integral

Direção
Elétrica

Suspensão
Independente, braços duplos triangulares (diant.) e multilink (tras.)

Freios
Discos ventilados

Pneus
255/65 R19

Dimensões
Compr.: 5,01 m
Largura: 2,10 m
Altura: 1,96 m
Entre-eixos: 3,02 m

Tanque
90 litros

Porta-malas
857 litros (fabricante)

Peso
2.268 kg

Central multimídia
10 pol., sensível ao toque

Garantia
2 anos



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