O ano passado a SEAT bateu o seu recorde de vendas e de lucros em 70 anos de história e a marca espanhola parece ter conquistado o seu futuro depois de anos de prejuízos.
Se 2019 terminou em grande — com uma faturação acima de 11 mil milhões de euros e lucros de mais de 340 milhões de euros (17,5% acima de 2018), o melhor resultado de sempre — o ano de 2020 começou com menos motivos de festejos.
Não só o CEO da SEAT, Luca De Meo, saiu para a concorrência (Renault) como — principalmente — a pandemia veio colocar um travão a sucessivos anos de melhoria de todo o tipo de indicadores económicos, como aconteceu transversalmente na esmagadora maioria de setores de atividade e de empresas em todo o mundo.
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A série recente de crescimento de vendas ano após ano na marca espanhola (de 400 000 em 2015 para 574 000 em 2019, 43% mais em apenas quatro anos) será, por isso, interrompida este ano.
11 milhões de carros fabricados
A fábrica de Martorell foi inaugurada em 1993, depois de ser construída em apenas 34 meses (e tendo obrigado, na altura, a um investimento de 244,5 milhões de pesetas, equivalentes a 1470 milhões de euros) e em 27 anos produziu cerca de 11 milhões de veículos, divididos por 40 modelos ou derivativos.
De então para cá muito mudou, tendo a superfície da totalidade do complexo industrial aumentado sete vezes para os atuais 2,8 milhões de metros quadrados, onde (só para ajudar a visualizar) caberiam 400 campos de futebol.
E está longe de ser o único centro de produção da marca espanhola nesta zona. Na Zona Franca aos pés da cidade (onde começou a funcionar o fabrico de automóveis da empresa em 1953 e até 1993) é feita a prensagem de várias peças (portas, tetos, para-lamas, num total de mais de 55 milhões para 20 fábricas de várias marcas do Grupo Volkswagen só em 2019); há um outro centro de produção de componentes (de onde saíram 560 000 caixas de velocidades o ano passado) nos arredores do aeroporto, em Prat de Llobregat; além de um Centro Técnico (desde 1975 e onde hoje trabalham mais de 1100 engenheiros).
Centro de impressão 3D
Quer isto dizer que a SEAT é uma das poucas empresas do país que desenha, desenvolve tecnicamente e fabrica os seus produtos em Espanha. E, na região e associado à SEAT, há ainda um enorme centro de logística, um centro de impressão 3D (novidade recente e na própria fábrica) e um Digital Lab (em Barcelona) onde se pensa o futuro da mobilidade humana (com importante integração de estudantes universitários que também fazem constantes formações na fábrica, ao abrigo de um protocolo com a Universidade Politécnica da Catalunha).
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27 anos mudam tudo
No seu arranque, em 1993, Martorell finalizava 1500 carros por dia, hoje são 2300 a rolar “pelo seu próprio pé”, o que quer dizer um carro novo pronto a enviar para algum ansioso cliente a cada 30 segundos.
De 60 horas para 22 horas para criar um novo carro: hoje 84 robôs aplicam camadas finas de tinta numa cabina de pintura e um scanner de última geração inspeciona a suavidade da superfície em apenas 43 segundos. A realidade virtual, a impressão 3D e a realidade aumentada são outras inovações que surgiram com a chegada da Indústria 4.0.
“Eu tinha apenas 18 anos quando entrei pela primeira vez na fábrica de Martorell e lembro-me do clima de euforia que se vivia na cidade que tinha acabado de receber os Jogos Olímpicos. Era um aprendiz e os meus colegas e eu tínhamos grandes esperanças para o futuro — tudo era novo e disseram-nos que era a fábrica mais moderna da Europa”.
É assim que Juan Pérez, que atualmente chefia os Processos de Impressão, lembra aqueles primeiros dias, há 27 anos, na fábrica de Martorell, onde os funcionários chegavam a andar 10 km por dia: “Na hora de voltar para casa nem conseguia encontrar o vestiário. Era muito fácil perdermo-nos”, lembra Juan Pérez.
Hoje há veículos autónomos, que auxiliam os funcionários no transporte de cerca de 25 000 peças por dia para a linha, além de 10,5 km de ferrovias e 51 linhas de autocarros.
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Um português lidera a Qualidade
Tão ou mais importante é o constante progresso qualitativo mesmo nos tempos mais recentes, como o mostram os últimos indicadores: entre 2014 e 2018 o número de queixas de proprietários de modelos da marca espanhola caiu 48% e Martorell está praticamente ao nível dos registos de qualidade/fiabilidade da fábrica-mãe da Volkswagen, em Wolfsburgo.
O que não deve espantar tendo em conta que são seguidos os mesmos processos industriais de A a Z, como me confirma José Machado, o português que lidera hoje o controlo de qualidade em Martorell, depois de se ter iniciado na Autoeuropa (em Palmela), de onde seguiu para Puebla (México), para assumir esta importante posição no berço de quase todos os SEAT:
“Seguimos todos a mesma cartilha e isso é que conta, porque ao fim e ao cabo entre os nossos 11 000 funcionários – diretos e indiretos – contam-se 67 nacionalidades e 26 diferentes línguas”.
80% são homens, 80% têm menos de 50 anos, estão na empresa em média há 16,2 anos e 98% dispõem de contrato de trabalho permanente, o que ajuda a criar estabilidade nas pessoas, que depois se reflete na qualidade do seu trabalho.
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Leon é o que mais se fabrica e vende
Tão ou mais orgulhoso do que aqui se faz, Ramón Casas – diretor da secção de Montagem e Revestimento Interior – é o principal cicerone a esta visita que se centra nesta zona pela qual é o principal responsável: “temos três linhas de montagem no total, a 1 é do Ibiza/Arona (que completa 750 carros/dia), a 2 do Leon e Formentor (900) e a 3 exclusiva do Audi A1 (500)”.
Neste caso estamos no berço do Leon e derivativos porque esta visita foi feita em complemento de uma ida à fábrica para buscar a carrinha Leon Sportstourer antes dela chegar, pelos canais habituais, ao mercado português.
Casas explica que “esta linha 2 é a que mais automóveis fabrica porque o Leon é o SEAT mais vendido globalmente (cerca de 150 000/ano) um pouco acima do Ibiza e do Arona (cerca de 130 000 cada) e que agora que o SUV Formentor se juntou a esta linha de montagem a capacidade de produção ficará muito perto de esgotar”.
Os 500 005 carros fabricados em Martorell em 2019 (81 000 dos quais Audi A1), mais 5,4% do que em 2018, utilizaram 90% da capacidade instalada da fábrica, um dos mais elevados índices em toda a Europa e um muito positivo indicador da saúde financeira da empresa.
A marca espanhola teve, no entanto, vendas superiores a esses 420 000 SEAT produzidos em Martorell o ano passado, já que alguns dos seus modelos são feitos fora de Espanha: o Ateca na República Checa (Kvasiny), o Tarraco na Alemanha (Wolfsburgo), o Mii na Eslováquia (Bratislava) e o Alhambra em Portugal (Palmela).
No total, a SEAT produziu 592 000 carros em 2019, com a Alemanha, Espanha, Reino Unido como principais mercados, por esta ordem (80% da produção destina-se a ser exportada para cerca de 80 diferentes países).
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22 horas para fazer um Leon
Continuo o passeio por entre parte dos 17 km de vias com carris eletrificados, a seguir carcaças de automóveis suspensas e bases rolantes com motores/caixas já montados (que depois se encontram mais à frente no que as fábricas chamam de “Casamento”), enquanto os dois guias vão fornecendo outros pormenores: há três áreas principais em cada uma das linhas de montagem, a da Carroçaria, a da Pintura e a da Montagem, “mas a última é onde os carros passam mais tempo”, apressa-se a acrescentar Ramón Casas, ou não fosse essa também a que está sob sua alçada direta.
No total de 22 horas que cada Leon demora a ser produzido, 11h45min permanece na Montagem, 6h10min na Carroçaria, 2h45min na Pintura e 1h20min em Acabamentos e Verificação Final.
Os diretores da fábrica têm bastante orgulho pelo facto de conseguirem mudar de geração de modelo sem ser necessário interromper a cadeia de montagem. “Mesmo com vias mais largas e uma distância entre eixos diferente, conseguimos ir integrando a produção do novo Leon sem termos tido que parar a da anterior geração”, destaca Casas, para quem existem outros desafios mais delicados:
“o Leon anterior tinha 40 unidades de processamento eletrónico, o novo tem, no mínimo, o dobro e se considerarmos o híbrido plug-in estamos a falar de 140! E têm que ser todas testadas antes de serem instaladas”.
Também complicada é o sequenciamento das peças para que a configuração do carro siga exatamente o que foi encomendado. Só no caso da dianteira do Leon pode haver 500 variações, o que dá para ter uma ideia da dificuldade da tarefa.
José Machado explica também que “não há diferença de tempo entre a produção de um Leon cinco portas ou de uma carrinha Sportstourer e o facto de esta última ter ganho popularidade nos últimos anos – 40% das vendas contra 60% do cinco portas – não afetou a linha de montagem”.
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Drones e robôs a ajudar…
Em Martorell existem mais do que um tipo de robôs. Há os que fazem entregas entre diferentes áreas do complexo industrial gigantesco (como drones e veículos automatizados terrestes, num total de 170 dentro e fora da fábrica) e depois os robôs que ajudam na montagem dos carros, propriamente dita.
Machado avança que “existem índices de robotização diferentes dependendo da zona da linha de montagem, com cerca de 15% na zona de montagem, 92% na chaparia e 95% na pintura”. Na zona de montagem muitos dos robôs ajudam os funcionários a pegar em peças mais pesadas, como as portas (podem chegar aos 35 kg) e rodam-nas antes de as encaixarem na carroçaria.
…mas é o ser humano que faz a diferença
O responsável máximo pela Qualidade em Martorell destaca ainda a importância da equipa humana nesta unidade industrial:
“são eles que dão o sinal para o caso de haver algum problema na cadeia de montagem, chamando o supervisor que tenta resolver a questão com a linha em andamento, fazendo tudo para que a mesma não pare. Eles mudam de função de duas em duas horas para evitar o excesso de rotina e também para os motivar mais, até mesmo a darem ideias para tornar todo o processo mais produtivo. E se alguma das sugestões for aplicada acabam por receber uma percentagem do que a fábrica poupou com essa alteração”.
A SEAT rapidamente começou a produzir ventiladores no combate ao Covid-19.
Martorell esteve encerrada durante a fase mais grave da propagação do covid-19, como me explica Ramón Casas:
“fomos todos para casa em finais de fevereiro, a 3 de abril iniciámos a produção de ventiladores e regressámos ao trabalho a 27 de abril, gradualmente e fazendo testes ao vírus em todos os funcionários. É obrigatória a utilização de máscara em todo o tempo de permanência na fábrica, há gel por todo o lado e muitas proteções de acrílico nos espaços de descanso, refeitório, etc”.