O esperado e temido está se confirmando. E a olhos vistos, diante de todos. E o pior: sem que nada seja feito para reverter a situação. A pandemia do coronavírus mudou os hábitos de deslocamento da sociedade e o resultado é pior do que antes, ainda mais individualista do que era. Ou seja, o uso do transporte individual – com impressionante presença dos aplicativos – tem sido a preferência, ao mesmo tempo que tem se evitado o transporte público coletivo – para quem pode, é claro. E não para por aí. Esse cenário é da pandemia e, também, de uma possível pós-pandemia. O carro próprio está indo de vilão a mocinho.
Ou seja, se nada for feito e logo, a mobilidade urbana das cidades vai ficar cada vez mais motorizada e individual, o que é péssimo pelas consequências sérias, como a violência no trânsito e a poluição ambiental. Três pesquisas recentes, uma delas ainda em andamento até a semana retrasada, confirmam essa mudança. Que o brasileiro está com medo do transporte público coletivo porque anda lotado demais quando mais precisa dele (nos horários de pico) e, por isso, tem dado preferência ao transporte individual. Muitos utilizando ou planejando utilizar o automóvel, muitos outros fazendo uso dos aplicativos de transporte, como a 99 e a Uber.
E mais: que essa tendência parece ser um caminho sem volta, o que poderá trazer consequências sérias para as cidades. Dados preliminares da pesquisa do Centro de Excelência BRT+, com apoio do WRI Brasil, realizada em várias cidades do mundo – incluindo Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo -, mostra que a pandemia mudou a forma como as pessoas se deslocam, seja pela adoção do home office, pela perda de emprego ou mesmo pelo medo da contaminação.
A pesquisa, feita de forma online com o objetivo de ajudar as cidades a compreender o presente e planejar o futuro da mobilidade urbana, revela que 50% das pessoas não estão se deslocando para sua atividade principal, na maioria trabalho ou estudos, atualmente. Esse é o resultado, por exemplo, de cidades como São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, numa comparação entre dados de antes (março/2020) e durante (setembro e outubro/2020) a pandemia. Fortaleza foi a única exceção: na capital cearense, apenas 37% das pessoas deixaram de se deslocar.
E é o transporte público o mais prejudicado. A queda de demanda impressiona. Antes da pandemia, eram usados por mais de 40% das pessoas. Agora, na pandemia, são menos de 15%. Chama atenção a redução em São Paulo, de 59% das pessoas para 8% mantendo o uso dos meios coletivos nos deslocamentos. E a higiene, como perigo para a contaminação do vírus, é a grande preocupação porque os ônibus e metrôs andam lotados. Metade das pessoas que responderam se mostraram extremamente preocupadas com essa possibilidade – embora alguns estudos e análises tenham mostrado que o risco de contágio no transporte público é até menor do que em ambientes fechados, como academias, bares e restaurantes.
“Esses dados preliminares servem de alerta para a sociedade e o poder público. Mostram que é uma oportunidade única de redemocratizar o espaço viário. O trabalho remoto já é uma realidade e será ainda mais com o tempo. O modelo híbrido também. As ações públicas precisam ser planejadas com esses novos hábitos. E o transporte público precisa ser o protagonista. Temos que priorizar, também, a mobilidade sustentável, estimulando a caminhada e o uso da bicicleta”, destaca Guillermo Petzhold, coordenador de mobilidade urbana da WRI Brasil e do estudo no Brasil.
Esses dados preliminares servem de alerta para a sociedade e o poder público. Mostram que é uma oportunidade única de redemocratizar o espaço viário. O trabalho remoto já é uma realidade e será ainda mais com o tempo. O modelo híbrido também. As ações públicas precisam ser planejadas com esses novos hábitos. E o transporte público precisa ser o protagonista. Temos que priorizar, também, a mobilidade sustentável, estimulando a caminhada e o uso da bicicleta”,
Guillermo Petzhold, da WRI Brasil
MEDO DO TRANSPORTE PÚBLICO E PÉSSIMA MOBILIDADE É A REALIDADE NO RECIFE E NO PAÍS
O medo do transporte público lotado, a tendência ao uso dos aplicativos de transporte individual e a percepção de que a mobilidade urbana é ruim também ficou evidente em uma pesquisa Datafolha encomendada nacionalmente pela empresa 99. Realizada no Recife e nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador, a análise revela uma insatisfação de metade dos entrevistados (47%) com a mobilidade. E 62% já prevêem uma situação ainda pior do trânsito no pós-pandemia.
Para minimizar os impactos, 86% das pessoas ouvidas defendem que o uso do transporte coletivo ou compartilhado deve ser incentivado e 79% apontam que o transporte combinado (uso de dois ou mais meios de transporte) pode ser uma boa opção para se locomover.
Quando o recorte é do Recife, a percepção da sociedade é idêntica à nacional: 64% das pessoas ouvidas declararam preocupação com o aumento do trânsito no pós-pandemia e 77% acreditam que os aplicativos de mobilidade podem ajudar no pós crise sanitária, já que eles diminuem a necessidade da propriedade de um automóvel ou motocicleta, por exemplo.
A insatisfação com a mobilidade urbana também predominou. Para 55% dos recifenses ela é ruim ou péssima, para 32% é regular e apenas para 12% é ótima ou boa. O objetivo da 99 com essa pesquisa é estimular a lógica multimodal nas cidades, o que é bom para a plataforma. “A 99 defende a lógica multimodal de mobilidade nas cidades, principalmente com incentivos aos transportes coletivos, ativos e compartilhados. Contribui para o comportamento multimodal da população. Isso é ainda mais importante em grandes cidades, como Recife. Além disso, a empresa busca democratizar a mobilidade urbana, garantindo acesso da população periférica às oportunidades de trabalho, estudo e lazer da cidade. No Recife, por exemplo, 61% das viagens por aplicativo acontecem fora das regiões mais ricas do município, segundo dados de outubro de 2020”, destaca Rodrigo Ferreira, gerente de Políticas Públicas da 99.
A 99 busca democratizar a mobilidade urbana, garantindo acesso da população periférica às oportunidades de trabalho, estudo e lazer da cidade. No Recife, por exemplo, 61% das viagens por aplicativo acontecem fora das regiões mais ricas do município, segundo dados de outubro de 2020”,
Rodrigo Ferreira, gerente de Políticas Públicas da 99
AJUDA PARA A ECONOMIA
A pesquisa também mostra que os apps têm ajudado a economia das cidades durante a pandemia ao dar renda aos motoristas que atuam nas plataformas. Segundo a Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas (Fipe), foram R$ 250 milhões adicionados indiretamente ao PIB de Pernambuco e 3,4 mil empregos gerados no ano em todo o Estado.
PESQUISA MOSTRA QUE O CARRO PASSOU DE VILÃO A MOCINHO NA PANDEMIA
Em mais uma pesquisa realizada para analisar os novos hábitos da sociedade na pandemia e traçar uma perspectiva para o pós, ficou novamente evidente a rejeição ao transporte coletivo, o aumento do uso do carro e uma maior intenção de compra de veículo próprio em meio à pandemia da covid-19.
Os estudos foram apresentados em webinar da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e foram realizados pelo Grupo Globo e pela Moovit. O número de pessoas que utilizava ônibus passou de 55% antes da pandemia para 34% dos entrevistados depois da covid-19. O uso de metrô foi de 19% para 13%, enquanto o uso do carro passou de 40% para 43%.
Ainda segundo o estudo, 39% dos entrevistados têm intenção de comprar um carro. Entre quem não possui veículo, 22% pretendem comprar um neste ano ou em 2021. Quem possui maior intenção mora nas regiões Centro Oeste e Norte do Brasil. São jovens de 25 a 34 anos, da classe C, exatamente os que mais dependem do transporte público e sofrem com a lotação dos sistemas nos horários de pico.