Ninguém sabe ao certo quais serão as consequências sanitárias, econômicas e sociais da pandemia de coronavírus. Que sociedade emergirá depois da devastação causada pela Covid-19 é uma grande incógnita. Em alguns países, como Brasil, EUA e México, não há sequer um consenso sobre a melhor forma de atravessar essa crise. O que os carros têm a ver com tudo isso? Na verdade, muita coisa, pois a indústria automobilística já vivia um enorme processo disruptivo antes da pandemia. A imagem de ruas desertas nas grandes cidades do planeta, a presença de animais no perímetro urbano, as águas de Veneza mais limpas, o ar das cidades mais puro foram reflexo dos carros que ficaram parados nas garagens.

O Karo-Isetta, projeto da BMW, tem motor elétrico e custa 15 mil euros: assim fica difícil.

O Karo-Isetta, projeto da BMW, tem motor elétrico e custa 15 mil euros: assim fica difícil.

Foto: Divulgação

Quando tudo voltar ao normal (se voltar), as pessoas deixarão de usar ou de comprar carros? Claro que não! O automóvel é e continuará sendo a maneira mais prática, confortável e segura para deslocamentos de determinadas distâncias. Não é o caso das grandes cidades humanas. Trânsito congestionado, estresse ao volante, toneladas de combustível desperdiçadas, tempo de vida jogado fora. Como muitas pessoas não querem mais isso, o carro tem sido acessado de formas diferentes, não apenas pela compra e posse. Cresce em vários mercados as locações de automóveis, viagens nos carros de aplicativo e compartilhamentos de veículos, sem contar o uso de bicicletas, patinetes etc. 

Microlino 2.0: na Europa, custa 12 mil euros!

Microlino 2.0: na Europa, custa 12 mil euros!

Foto: Microlino / Divulgação

Um caminho trilhado pelos carros nos últimos dez  ou quinze anos é sem volta: a eletrificação. O Brasil começava a expandir sua frota de carros híbridos ou elétricos quando veio a hecatombe do coronavírus. Parou os negócios e eles serão retomados, talvez em outro ritmo. Mas, diante de tudo que ocorreu e está ocorrendo, a sociedade não poderia ir além na questão dos carros? Precisamos mesmo de tantos SUVs de 5 metros rodando nas cidades com apenas uma pessoa a bordo? Por que carros alternativos, como o minúsculo Renault Twizy ou o Smart ForTwo, não podem ser mais acessíveis? O que há de tecnologia indispensável nesses veículos que os tornam tão caros? Por que os automóveis realmente pequenos — para uma ou duas pessoas — não podem se popularizar?

Renault Twizy: um projeto que poderia ser mais acessível.

Renault Twizy: um projeto que poderia ser mais acessível.

Foto: Renault / Divulgação

Tudo é uma questão de vontade política. Por vontade política também podemos entender desejo empresarial. Quando a indústria automobilística chegou oficialmente ao Brasil, em 1957, os primeiros fabricantes contaram com um incentivo por parte do governo. Na ocasião, já havia um carro sendo produzido no país, o Romi-Isetta, que tinha uma única porta frontal e utilizava um motorzinho de apenas um cilindro com 300 cm3 de cilindrada. O carrinho foi fabricado até 1961, pois acabou sendo vítima de um casuísmo. Ele ficou de fora do incentivo governamental (que teoricamente o tornaria imbatível nas vendas) porque deu-se um jeito de classificar como automóvel somente os modelos que tivessem no mínimo duas portas. Assim, o Romi-Isetta parou nas 3 mil unidades, todas produzidas em Santa Bárbara d’Oeste (SP).

O carro era originalmente da Iso italiana, mas depois foi produzido na Alemanha pela BMW, que no Salão de Frankfurt de 2009 apresentou uma versão atualizada do modelo, mas não vingou, pois é caríssimo (o Karo-Isetta custa 15 mil euros). O Romi-Isetta era tipicamente urbano. O carro media 2,28 m de largura, 1,38 m de largura e 1,34 m de altura. A potência era de 13 cv e ele tinha capacidade para transportar 220 kg. O Romi-Isetta atingia 85 km/h de velocidade máxima e o consumo era de 4 litros/100 km, ou seja, 25 km/l. Imagina um carrinho como o Romi-Isetta hoje nas grandes cidades?

Romi-Isetta: primeiro carro nacional, mas não teve incentivo do governo porque só tinha uma porta.

Romi-Isetta: primeiro carro nacional, mas não teve incentivo do governo porque só tinha uma porta.

Foto: Reprodução

Na Europa, o Isetta ressurgiu como Microlino, fabricado na Itália, com motor elétrico. Legal. Mas o carro é caro (12 mil euros), é um cult, portanto não resolve a questão da super ocupação das ruas por automóveis grandes. Precisa ser elétrico com 20 cv de potência? É bacana, mas pensa num carrinho desses com motor flex ou mesmo somente com etanol? Infelizmente, em Brasília pensa-se muito mais na sobrevivência política até o próximo mandato do que nas reais necessidades do país em termos de mobilidade. No Salão de Genebra seria apresentada a segunda geração do carrinho italiano, o Microlino 2.0, mas indo na mesma toada dos carros grandes: com mais tecnologia e, portanto, com o preço nas alturas.  

Enquanto carros como o Renault Twizy, o Smart ForTwo, o BMW Isetta e o Microlino forem veículos para ricos, o problema da mobilidade nas grandes cidades não será resolvido. Como negócio, pode ser interessante, mas como impacto social é nulo, pois esses carros nada mais são do que uma opção a mais para quem já tem um SUV de 5 metros na garagem. Para melhorar o trânsito e a qualidade do transporte (com a pandemia nos demos conta de que é inaceitável fazer viagens com as pessoas espremidas como sardinhas dentro de um vagão ou busão), é preciso dar uma opção para quem não pode comprar carros “normais”. Precisamos de carros baratos, mas baratos mesmo, do preço de uma moto 125. É possível? Sim? Será realizado? Duvido. 

Smart ForTwo: somente para quem já tem um carrão.

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Foto: Daimler / Divulgação

 

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