STUTTGART — 
Cena 1:
  Reta livre, gire um botão e ponha o carro em modo
sport plus
. Use o pé esquerdo para dar pressão total nos freios e, ao mesmo, dê pé fundo no acelerador. O que se ouve é um “téc-téc-téc…” baixinho, enquanto o velocímetro digital vai ganhando um halo azul brilhante. Quando essa moldura formar um círculo completo, o
lauch control
(controle de lançamento) estará ativado. Tire o pé esquerdo do freio e mantenha o pé direito trancado no acelerador.

O Porsche Taycan Turbo S levanta um pouco a frente, a direção fica leve e, por uma fração de segundos, parece que as rodas traseiras vão destracionar enlouquecidamente — a impressão que se tem é que a casa vai cair e vamos morrer. Mas, coragem: continue acelerando tudo que o carro se encarregará do resto. Nada de pneus cantando. Em um instante, os 761cv e 107kgfm de torque são despejados, em absoluto controle, no asfalto.

Launch control ativado! Foto: Jason Vogel
Launch control ativado! Foto: Jason Vogel

Por mais que já tenham avisado, ninguém está preparado para o que vem a seguir: um aperto na traqueia e nos pulmões, como se o corpo acompanhasse o movimento do carro, mas os órgãos internos fossem espremidos contra o banco. Lá fora, a paisagem vai ficando borrada e quem está a bordo (seja motorista ou carona) invariavelmente solta um palavrão de espanto misturado com pavor. Nem em um Fórmula-1, testado em 2013, eu havia sentido aceleração tão brutal!

O 0 a 100km vem em 2,8s e os números do velocímetro digital vão pulando de 20 em 20 até que, em 9,8s, chegamos aos 200km/h. O quarto de milha é feito em 10,8s, mesmo tempo da insana berlineta Ferrari F12tdf. Só que aqui estamos em um sedã de quatro portas que pesa 2.300 quilos e pode ser usado com toda civilidade e conforto em um engarrafamento a caminho do supermercado.

Cena 2:
Na Autobahn 13, construída na década de 30 para ligar Berlim a Dresden, vamos cruzando tranquilos, a uns 160km/h, quando somos ultrapassados por um Jaguar F-Type que exercita os 340cv de seu motor V6 com compressor. Decidimos acompanhá-lo para ver do que o Taycan (na versão mais mansa, sem o “S”) é capaz. Pé fundo no acelerador e pronto: o enorme Porsche elétrico alcança o cupê britânico num piscar de olhos.

Repetimos a sádica experiência algumas vezes: deixamos o Jaguar abrir e aceleramos novamente até alcançá-lo facilmente — o Taycan parece um gato brincando com uma barata…

É tamanha desigualdade de forças que lembramos da cena do filme “Nimitz — De volta ao inferno” (1980), em que um jato Grumman F-14 Tomcat abate impiedosamente um Zero japonês da Segunda Guerra Mundial.

A sensação é de que o jogo acabou para os carros para motor a combustão.

Raio de 300km

Estamos na Alemanha para conhecer o primeiro Porsche 100% elétrico, em uma viagem de 880km, ao longo de dois dias. A ideia do fabricante é mostrar que carros elétricos já podem pegar a estrada sem grandes preocupações — especialmente na Europa, onde a rede de postos para recarga vem se expandindo rapidamente. O próprio GPS do carro vai orientando qual a melhor rota a tomar sem o risco de enguiçar por  bateria arriada.

O pessoal da Porsche fez um roteiro de apresentação por estradinhas secundárias com muitas curvas, subidas e descidas, dando chance à regeneração de energia. Freios, pé fora do acelerador… Tudo isso ajuda. Se tivéssemos percorrido tudo por
autobahn
, a 200km/h, certamente a autonomia despencaria. De toda maneira, o Taycan pode chegar, sem muito susto ou pé léve, a uns 300km de distância. É claro que se você ficar viciado no
lauch control
, essa autonomia cairá num instante, com risco deixar carro e ocupantes pelo caminho.

Em 2020, no Brasil

O Taycan chegará ao Brasil no segundo semestre de 2020, por preços entre os de Cayenne e Panamera. Algo entre R$ 800 mil e R$ 1 milhão, dependendo da versão escolhida.

A plataforma com baterias e dois motores elétricos Foto: Divulgação
A plataforma com baterias e dois motores elétricos Foto: Divulgação

São dois motores, um em cada eixo, desenvolvidos para a Porsche e fabricados pela Magneti Marelli. O motor traseiro vai atrelado a um câmbio de duas marchas, sendo que a primeira é usada só em arrancadas radicais (dá até um tranquinho, para aumentar a emoção).

O maior avanço do Taycan é sua rápida capacidade de recarga. Em postos especiais, a energia da bateria pode ir de 5% a 80% em apenas 22 minutos. Para tanto, o carro traz uma bateria de 800 volts. É perigoso em caso de acidente? A Porsche afirma que não… O risco seria o mesmo de qualquer carro híbrido ou elétrico.

Ponto de recarga rápida: 22 minutos de 5% a 80% da bateria Foto: Jason Vogel
Ponto de recarga rápida: 22 minutos de 5% a 80% da bateria Foto: Jason Vogel

Muita gente vai estranhar os sobrenomes “Turbo” e “Turbo S” em um carro elétrico como o Taycan. A Porsche justifica a idiossincrasia alegando que “Turbo” é a denominação das versões mais brabas de seus modelos desde os 911 dos anos 70. Não quiseram acabar com essa tradição, ainda que seja um contrassenso técnico e semântico.

Em uso normal, as duas versões dispõem de 460kW (625cv) de potência combinada entre os motores. Com o recurso do lauch control, porém, esse número pode chegar a 500kw (680cv) no Taycan Turbo “normal” e 560kW (761cv) no Turbo S.

O Taycan é bem baixo e exige certa ginástica de quem entra ou sai da cabine. Na frente, sobra espaço e há um milhão de opções para os ajustes de banco e volante (mas demoramos a encontrar a melhor posição).

Atrás só há dois lugares. O teto baixo e o túnel central bem alto, para abrigar o sistema de gerenciamento eletrônico, não ajudam. O porta-malas traseiro é amplo, ainda que raso por causa do motor (alguém se lembra do VW TL?). Já o acabamento é bem superior ao do rival Tesla S.

O  carro é bem baixo e bem largo. O motorista quase não enxerga a frente curtinha. A visão para trás é muito ruim, com vigia estreia e inclinada (alguém se lembra do Ford Maverick?).

Cadê o conta-giros?

Por ser elétrico, este é o primeiro Porsche a não trazer um conta-giros em posição de destaque. Em vez disso, no meio do quadro de instrumentos, há um velocímetro emoldurado por um mostrador que indica o quanto estamos usando de potência ou de regeneração. Dados de consumo, autonomia, GPS, multimídia, cronômetros, câmeras de 360° e até medidor de força-g… Há um mundo de informações. Com o tempo, ganhamos confiança na bateria de 800V (fabricada pela LG na Polônia) e perdemos o medo de ficar pelo caminho.

Até as saídas do ar-condicionado têm comandos eletrônicos. Simplificar para quê? Foto: Jason Vogel
Até as saídas do ar-condicionado têm comandos eletrônicos. Simplificar para quê? Foto: Jason Vogel

Recursos simples no mundo real são substituídos por comandos eletrônicos e uma miríade de pequenos motores elétricos. Quer direcionar a saída do ar-condicionado? Nada de tocar as grelhas de ventilação… Em vez disso, vá até um dos quatro painéis digitais do carro e passe o dedo sobre a tela
touchscreen
.

Para abrir as tampinhas de recarga, nos para-lamas dianteiros, passe as pontas dos dedos sob uma aba que a portinhola se moverá para dentro e para baixo magicamente, revelando a tomada.

Quer abrir o capô dianteiro para ver o (pequeno) espaço que há ali? Aperte outra função na tela digital. Inicialmente parece complicado, mas você acaba se acertando sem a necessidade de cursar um doutorado na Universidade de Stuttgart.

Na dianteira, um pequeno porta-trecos. O porta-malas é atrás Foto: Jason Vogel
Na dianteira, um pequeno porta-trecos. O porta-malas é atrás Foto: Jason Vogel

Estabilidade impressiona

Pé no freio, aperte o botão de partida no lado esquerdo (onde, tradicionalmente, ia o miolo de chave dos Porsche) e pronto… o carro está ligado, mas em silêncio total. O seletor da transmissão é uma alavanquinha simpática que sai do painel, logo abaixo do quadro de instrumentos. Ponha em drive e vá a luta.

Basta agora girar um botão perto do miolo do volante para escolher um dos quatro modos de condução:
range
,
normal
,
sport
e s
port plus
.

A regeneração de energia é comandada numa tecla no raio esquerdo do volante. Não dá um efeito “freio motor” tão forte quanto o do Nissan Leaf, nem permite dirigir usando só o pedal do acelerador, sem tocar no do freio.

O modo de condução mais brabo de todos é o
sport plus
, que altera as respostas de acelerador, direção e suspensão e vem acompanhado por um som de motor elétrico sampleado e ampliado por alto-falantes (dentro e fora do carro).

Nas acelerações, ouve -se um som grave de trovão que vai se transformando em um ruído de elevador alucinado — ou de uma usina atômica prestes a explodir e entrar em Síndrome da China. É um “Uuuuuuuuu…” que vai variando de frequência, timbre e volume conforme se anda mais rápido.

Numa viagem longa, porém, chega uma hora em que o barulho cansa. Aí, basta desligar o amplificador e tudo o que se ouve são os sons do ar e dos pneus no asfalto. Paz total!

O estilo é muito superior ao do
O estilo é muito superior ao do “irmão” Panamera. Na foto, o Taycan Turbo “sem S” Foto: Jason Vogel

No modo normal, o Taycan desliza suave graças à sua suspensão a ar, emprestada pelo Panamera. É como um Citroën dos bons tempos! Passe com esse carro de 2,3 toneladas por uma cabeça de ponte, e os movimentos de subir e baixar serão imediata e suavemente contidos, como que por mágica.

Muito baixo e aerodinâmico (Cx de 0,22), esse quatro portas grande e pesado faz curvas como um ótimo esportivo. Seus largos pneus, bem como a suspensão ativa e a direção nas quatro rodas mantêm o Taycan bem preso ao asfalto, sem sensação de rolagem de carroceria. Aponte para onde quer ir e acelere. O comportamento é absurdamente neutro – a menos que você esteja no modo
range
, em que prepondera a tração dianteira e o carro se torna subesterçante.

Força total imediata

Encanta a força que o Taycan mostra quando chamamos no acelerador no meio de uma subida. A resposta vem imediata, como se estivéssemos no plano. Em um carro com motor a combustão, esperaríamos o giro subir para sentir o ganho de velocidade. Deslizando em silêncio e com um mundo de força sempre à disposição do motorista, o Taycan é o mais perto que se pode chegar da sensação de pilotar um jato sem sair do chão.

O Taycan Turbo S nos pareceu menos confortável e mais cansativo, por sua direção utrassensível e arisca, muito por causa de seus pneus 265/35 R21 (na frente) e 305/30 R21 (atrás), a acompanhar os trilhos do asfalto.  

Se fôssemos afortunados o suficiente para comprar um carro desses, levaríamos o Taycan Turbo “normal”, calçado com os Michelin 245/45 R20 e 285/40 R 20. No uso normal, a difrença de 80cv entre os dois jamais será percebida. Mais vale o conforto maior, com um gasto menor.

A eletrificação da casa de Zuffenhausen continuará com um derivado do conceito Mission E Cross Turismo. Depois, quem sabe, virá um sucessor do Macan. O Panamera que se cuide…

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