A Tesla sabe tudo sobre como causar a disrupção em um setor. Em breve, ela descobrirá como é estar do lado oposto.
Depois de anos sendo a rainha indiscutível do carro elétrico, a Tesla (TSLA) pode ser alcançada no valor de vendas ano após ano pela Volkswagen (VLKAF) já em 2022, de acordo com analistas da consultoria suíça UBS. Eles preveem que a maior montadora da Europa vai vender 300 mil veículos elétricos movidos a bateria a mais do que a Tesla em 2025.
Terminar o reinado de Tesla seria um grande marco na transformação da Volkswagen em uma potência dos veículos elétricos. Com a imagem queimada por causa do escândalo de emissões de diesel em 2015, a maior montadora da Europa está investindo € 35 bilhões (cerca de R$ 236 bilhões) em veículos elétricos, apostando seu futuro em novas tecnologias, numa mudança impressionante para longe dos combustíveis fósseis.
“A Tesla não é apenas fabricante de veículos elétricos. Ela também é muito forte em software. Ela conduz o carro como se fosse um dispositivo. Está fazendo um bom progresso na área de carro autônomo. Mas, sim, vamos desafiar a Tesla”, afirmou o CEO da Volkswagen, Herbert Diess, a Julia Chatterley, da CNN, na terça-feira (16).
A Volkswagen ressaltou a escala dessa ambição, dizendo que venderia mais de dois milhões de veículos elétricos até 2025, construiria sua própria rede de grandes fábricas de baterias, contrataria 6.500 especialistas em TI nos próximos cinco anos, lançaria seu próprio sistema operacional e se tornaria a segunda maior empresa de software da Europa atrás da SAP (SAP)
Os analistas da UBS disseram a repórteres na semana passada que os investidores não conseguiram avaliar a velocidade com que a Volkswagen está ganhando terreno da Tesla e quanto a empresa alemã pode lucrar apostando tudo em carros elétricos antes de outras montadoras estabelecidas, incluindo Toyota (TM) e General Motors (GM) A UBS aumentou seu preço-alvo para as ações da Volkswagen em 50%, para € 300 (cerca de R$ 2.011).
“Temos mais confiança do que nunca de que a Volkswagen vai entregar a combinação única de crescimento de volume, tornando-a a maior montadora [elétrica] do mundo, junto com a Tesla, já no próximo ano, enquanto suas margens ficarão estáveis ou mesmo crescerão a partir daqui”, contou o analista da UBS Patrick Hummel.
Dona da Porsche, Audi, Skoda e SEAT, a Volkswagen vendeu 231.600 veículos elétricos movidos a bateria em 2020. É menos da metade do número de vendas da Tesla, mas representa um aumento de 214% em relação ao ano anterior. Espera-se que o rápido crescimento continue à medida que a Volkswagen lance 70 veículos elétricos antes do final da década. Ela operará oito fábricas de veículos elétricos até 2022, produzindo modelos em quase todos os segmentos, de carros pequenos a SUVs e sedãs de luxo.
A corrida global para o domínio do mercado de carros elétricos ficará por conta da novata californiana e da gigante industrial alemã, de acordo com a UBS. A consultoria prevê que a Volkswagen excederá sua própria meta ao produzir 2,6 milhões de veículos elétricos em 2025, seguida pela Tesla com 2,3 milhões. A Toyota, que vendeu mais carros do que qualquer outra empresa no ano passado, ocupa um distante terceiro lugar, com 1,5 milhão de vendas de elétricos (excluindo os híbridos). Já a Hyundai Motor Group (HYMTF) e a Nissan (NSANF) produzirão cerca de 1 milhão de carros, seguido pela General Motors com 800 mil.
Gigafábricas
A Volkswagen está em melhor posição que seus rivais por causa de sua plataforma de produção modular, ou MEB. Usada para produzir o ID.3, um hatchback compacto elétrico, a inovadora linha de produção permitirá que a montadora produza rapidamente um grande número de veículos e reduza custos.
A UBS estima que fabricar um ID.3 custe atualmente à Volkswagen € 4.000 (cerca de R$ 27 mil) mais do que produzir um Golf equivalente movido a gasolina ou diesel. Mas uma queda acentuada no custo das baterias (a única parte mais cara de um veículo elétrico em comparação com um veículo movido a motor de combustão) significa que a diferença nos custos de produção será eliminada até 2025, de acordo com a consultoria.
A Volkswagen anunciou na segunda-feira (15) planos para abrir seis “gigafábricas” de baterias na Europa até 2030, com o objetivo de reduzir o custo de suas células em até 50%. “Preços mais baixos para baterias significam carros mais acessíveis, o que torna os veículos elétricos mais atraentes para os clientes”, pontuou Diess.
A grande escala de produção da Volkswagen, que vendeu 9,3 milhões de carros no ano passado, também ajudará a reduzir custos. Além da MEB, o grupo está desenvolvendo uma plataforma separada para as marcas premium Audi e Porsche, permitindo o lançamento de veículos elétricos em toda a sua linha de produtos.
Os investidores estão começando a recompensar a empresa. As ações da Volkswagen saltaram 6,5% para € 207 (cerca de R$ 1.388) na terça-feira, trazendo ganhos até agora para 35% em 2021.
Onde a Tesla lidera
Apesar do recente aumento no preço de suas ações, a Volkswagen vale significativamente menos do que a Tesla. O valor de mercado do concorrente liderado por Elon Musk primeiro ultrapassou o da Volkswagen em janeiro de 2020, e a diferença aumentou dramaticamente desde então. A Volkswagen tem uma capitalização de mercado de € 111 bilhões (cerca de R$ 747 bilhões), em comparação com US$ 680 bilhões (cerca de R$ 3,8 trilhões) da Tesla.
Parte da diferença pode ser explicada pela contínua superioridade da Tesla em custos de bateria, software e lucratividade de seus carros elétricos. De acordo com a UBS, a Tesla tem “uma arquitetura de hardware de TI mais sofisticada” e sua “organização de software está em um nível diferente”. A Volkswagen está atrás da Tesla em vários anos no que se refere a tecnologia de direção autônoma.
Alguns investidores acreditam que a Tesla será capaz de capitalizar em grande estilo sua vantagem de software. Além de fornecer atualizações sem fio para seus carros (um conceito no qual a empresa foi pioneira), a Tesla poderá em breve fazer coisas como cobrar dos proprietários uma taxa de assinatura para usar seu software de direção autônoma. De fato, a empresa de Elon Musk está muito mais perto de mudar a natureza da propriedade de um carro do que as montadoras estabelecidas, como a Volkswagen.
A UBS avalia que o potencial de lucro do software é responsável por cerca de dois terços, ou US$ 400 bilhões (cerca de R$ 2,2 trilhões), do valor de mercado da Tesla.
“Achamos que a maior parte desse valor [US$ 400 bilhões] pode ser gerada pelo software, principalmente o de direção autônoma. Com isso, a Tesla tem potencial para se tornar uma das empresas de software mais valiosas do mundo”, escreveram os analistas.
No entanto, pode haver contratempos ao longo do caminho. A Tesla recentemente expandiu seu software “totalmente autônomo” para cerca de 2.000 proprietários, mas alguns motoristas tiveram seu acesso revogado por não prestar atenção suficiente ao trânsito.
Dan Ives, analista da Wedbush Securities, disse no início deste ano que o mercado de veículos elétricos é “o mundo da Tesla e todo mundo está pagando aluguel” para ela. Mas, com 150 montadoras buscando o mesmo objetivo, a Tesla precisará executar sua estratégia.
“Embora o crescimento seja fundamental, o perfil de lucratividade da Tesla estará sob o microscópio de investidores, que precisam discernir melhor com que rapidez ela pode aumentar sua estrutura de margem, especialmente com margem mais altas de vendas na China nos próximos anos”, detalhou Ives.
Tanto para a Volkswagen quanto para a Tesla, a ambição de dominar o mercado de carros elétricos depende da capacidade de se tornarem mais parecidas uma com a outra. A Volkswagen precisa atualizar rapidamente suas capacidades de software, enquanto a Tesla se beneficiaria da habilidade da empresa alemã de produzir milhões de veículos de alta qualidade a cada ano. A Volkswagen anunciou no início deste mês que as primeiras atualizações de software sem fio seriam entregues ao ID.3 neste verão.
Ives prevê que a Tesla fabricará um milhão de carros por ano em 2022 e poderá se aproximar dos cinco milhões ao ano até o final da década.
Com os consumidores agora procurando carros elétricos, especialmente na Europa, a corrida entre a Volkswagen e a Tesla vai acelerar rapidamente. De acordo com a UBS, os carros elétricos representarão 20% das vendas globais de veículos novos em 2015 e 50% em 2030.
“Nós nos encontramos em um novo tabuleiro, no qual jogam empresas que estão entrando no mercado de mobilidade do mundo da tecnologia”, disse Diess na terça-feira. “Os participantes do mercado de ações ainda consideram o Grupo Volkswagen como parte do mundo do ‘velho automóvel’. Ao nos concentrarmos consistentemente em software e eficiência, estamos trabalhando para mudar essa visão”.
(Texto traduzido. Clique aqui para ler o original em inglês).